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Muito já se escreveu sobre o filme de Francis Coppola. A primeira vez em que assisti, não entendi muito bem. Era garoto, pensava em um filme de guerra com muitos tiros e americanos sempre vencendo, como nos filmes da Segunda Guerra. Fiquei bem confuso. Com o passar do tempo e revendo sempre, me apaixonei. Junto a “Amarcord”, é o melhor filme que já assisti. Acabei de rever a versão Redux, incorporando cenas que haviam sido cortadas. É a segunda vez que assisto à versão. É impressionante. Sobretudo neste momento em que o mundo, pelas comunicações, tornou-se menor e acompanhamos guerras absurdas como na Ucrânia e em Gaza, fora a do Sudão, que não passa nos canais. Nossa própria guerra civil interna. Coppola contraiu uma dívida imensa. Teve problemas de saúde. O ator principal (Martin Sheen), sofreu um ataque cardíaco. E houve Marlon Brando. Há inclusive um documentário feito pela esposa do diretor. Um soldado com experiência em missões e bastante depressivo quanto a isso é encarregado de uma missão no Camboja. Havia voltado para casa e como muitos, não era mais a mesma pessoa. Agora, a guerra era seu mundo. Embarca em um pequeno barco tripulado por jovens americanos, ignorantes de tudo, em pânico, consumindo drogas, pior, sem saber qual o objetivo da missão. Há cenas memoráveis como a do capitão de um esquadrão de helicópteros, alugados aos tailandeses que de vez em quando precisavam sair para bombardear alguém de verdade. O ataque ao som da “Cavalgada das Valquírias”, de Wagner. A abertura com “The End”, dos Doors. A cena do surfista em pleno combate, a frase “gosto do cheiro de napalm, cheira a vitória”. Robert Duval protagoniza. Agora estão em combate e aparece Francis Coppola como um diretor de equipe de tv filmando tudo. Em algum lugar maluco, recebem correspondência. A mãe de um (Laurence Fish burne) envia uma fita cassete. Ele ouve. Saudades, volte logo. Estamos preparando uma festa. Há um tiroteio. Ele morre. E a fita com a mãe falando continua rodando. Maravilhosas as cenas cortadas. Em uma, playmates chegam de helicóptero para animar as tropas. Bill Graham, empresário do mundo business faz um apresentador. Harvey Keitel e Harrison Ford aparecem rápido. Rola também “Satisfaction”, com Rolling Stones. Adiante, as moças são encontradas desamparadas, sendo prostituídas pelos soldados que as guardavam. À menor ameaça disparam suas metralhadoras aos gritos de pavor. Completamente despreparados para aquele mundo verde, o calor tropical e a umidade. Então chegam a uma fazenda de propriedade de franceses. Eles ocupavam a Indochina. Foram expulsos. Mas os fazendeiros não sairiam de suas terras (suas?) em que trabalharam uma vida inteira. O capitão Willard vai percebendo o real significado da guerra. O inferno. Um apocalipse. Ele precisa assassinar o coronel Kurt, que largou tudo e agora lidera um grupo local em permanente devaneio por drogas em um ambiente fantasioso. É lá que tudo faz sentido. Sentido de não ter sentido. A guerra. A morte sem significado. O horror que transforma as pessoas em animais. Caçam-se umas às outras. Para quê? Os franceses ao menos se achavam proprietários das terras. Os americanos nem sabiam. Estão todos cansados. No limite. A partir daí apenas o devaneio. O pesadelo. O capitão precisa matar o coronel. Ele inventou sua própria fantasia, ali. Não é americano, nem vietcongue. Talvez seja seu paraíso. Onde está o significado? Dennis Hopper, o fotógrafo pirado e Marlon Brando improvisam seus textos. Não decoram as falas. Usam trechos de Conrad. O mundo não vai terminar com ganidos e explosões. Ou o horror, o horror. O espírito crítico é que nos derrota. Há um sacrifício de um boi. Cerimônia, chuva. Willard e Kurt. Dennis Hopper, pirado, faz seu monólogo. Kurt, também. O horror. É preciso ser amigo do horror. Se isso não acontecer, pior pra você. Os momentos finais. Brando (Kurt) sabia que era seu fim. Queria. Estava cansado. Willard o ataca com uma arma e o vai demolindo, sem reação. Quando cai, no mesmo momento trespassado por terçados, o boi desaba, para a alegria de todos. Sheen (Willard), havia tido sua via crucis. Talvez fosse o substituto de Kurt. Ele surge diante da multidão com uma pasta com escritos do coronel. Parece Moisés com as tábuas. Todos se ajoelham. O novo deus? Joga a arma fora e desce. Os ajoelhados levantam, abrem passagem e jogam fora suas armas. Entra no barco e vai. Estava programado um ataque de aviões a jato para destruir tudo. Deixa pra lá. Fica apenas no ar, o horror, o horror. Nem Willard, nem os compaznheiros são os mesmos que iniciaram a viagem.

Desculpem os mais novos, mas não há um filme atual que chegue aos pés deste monumental “Apocalypse Now”. Assisti no MUBI. Se quiserem ver cinema de verdade.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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