Publicado em: 11 de julho de 2025
A Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu nesta quinta-feira, 10 de julho, a escritora, roteirista e dramaturga Ana Maria Gonçalves como sua mais nova imortal. Com 55 anos, ela é a primeira mulher negra a ocupar uma das cadeiras da instituição em seus 128 anos de história (Conceição Evaristo candidatou-se em 2018, porém perdeu para o cineasta Cacá Diegues). Além disso, passa a ser a mais jovem integrante do atual quadro da ABL.
Ana Maria foi eleita com ampla maioria, obtendo 30 dos 31 votos possíveis. A eleição foi realizada a partir das 16h, com uso de urnas eletrônicas cedidas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. A única exceção no pleito foi um voto destinado à escritora indígena Eliane Potiguara. A nova imortal ocupará a cadeira número 33, vaga desde o falecimento do gramático e filólogo Evanildo Bechara, em 22 de maio deste ano, aos 97 anos.
Natural de Ibiá, Minas Gerais, Ana Maria Gonçalves começou sua trajetória profissional na publicidade, mas abandonou a carreira para se dedicar integralmente à literatura. Em 2006, publicou o romance Um Defeito de Cor, considerado sua obra-prima. O livro venceu o Prêmio Casa de las Américas em 2007 e, anos depois, foi eleito pelo júri da Folha de São Paulo como o melhor livro da literatura brasileira no século XXI. A força do romance ultrapassou o mundo literário e, em 2024, inspirou o samba-enredo da escola de samba Portela, que levou a saga da personagem principal, Kehinde, à Marquês de Sapucaí.
Em nota oficial, a ABL destacou que Ana Maria “tem se destacado pela difusão de debates sobre literatura e questões raciais, além de atuar como professora de escrita criativa e curadora de projetos culturais”. Com sólida atuação nacional e internacional, a autora foi escritora residente na Tulane University, Stanford e Middlebury College.
A escolha de Ana Maria Gonçalves é um marco na história da ABL. Com apenas 13 mulheres eleitas desde a fundação da instituição, em 1897, a presença de uma mulher negra representa um avanço significativo rumo à pluralidade e à reparação histórica no cenário intelectual brasileiro. A ABL, que durante décadas foi dominada por homens brancos ou branqueados pela história (dois homens negros participaram de sua fundação: Machado de Assis e José do Patrocínio), dá um passo importante na direção de uma representatividade mais condizente com a diversidade da produção cultural e literária do país. Em abril de 2024, o escritor e ativista indígena Aílton Krenak foi o primeiro indígena a ser empossado pela ABL.
A historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz sintetizou o momento em uma publicação nas redes sociais: “Hoje ocorreu um fato histórico na ABL. Histórico e justo. Ana Maria Gonçalves foi eleita por ampla maioria. Uma mulher negra que inaugura uma linhagem na Academia que se pretende diversa, plural e atenta ao passado, ao presente e ao futuro.” Para ela, Um Defeito de Cor é “um clássico e uma saga dessa história brasileira feita de tantos apagamentos”.
A eleição também foi comemorada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em nota oficial divulgada nesta sexta-feira, 11 de julho, o chefe do Executivo afirmou que a Academia “acertou em cheio” com a escolha. Lula declarou ainda que leu Um Defeito de Cor durante o período em que esteve preso na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, e que a obra o ajudou a compreender melhor os traços dolorosos da história brasileira, marcados pelo racismo e pela opressão.
“A obra de Ana Maria Gonçalves nos ajuda a compreender a história brasileira, infelizmente marcada pelas mazelas do racismo e da opressão. Trata-se de uma homenagem merecida, de um justo reconhecimento a uma das melhores escritoras que temos hoje”, afirmou o presidente.
Com mais de 900 páginas, Um Defeito de Cor reconstrói com rigor histórico e sensibilidade literária a trajetória de Kehinde, uma menina africana capturada e escravizada aos oito anos de idade, que atravessa o século XIX em busca de liberdade e do reencontro com seu filho. A narrativa entrelaça ficção e realidade para abordar temas como escravidão, racismo, ancestralidade e resistência. O romance é hoje considerado um marco incontornável da literatura brasileira contemporânea.
Além de Ana Maria e Eliane Potiguara, outros doze nomes estavam inscritos como candidatos à vaga na cadeira 33, incluindo Ruy da Penha Lobo, Wander Lourenço de Oliveira, José Antônio Spencer Hartmann Júnior, Célia Prado e João Calazans Filho.
A eleição de Ana Maria Gonçalves amplia as fronteiras simbólicas da instituição fundada por Machado de Assis, ela própria marcada por sua origem negra, mas que levou décadas para reconhecer com mais clareza a diversidade da tradição literária brasileira. A presença de Ana Maria inaugura, assim, uma nova era na Academia, que se abre, finalmente, para vozes femininas negras e narrativas até então marginalizadas.
Foto: Agência Brasil
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