Publicado em: 23 de novembro de 2025
Quando comecei a dar aula, dez anos atrás, uma das minhas disciplinas foi “Psicologia da Sexualidade” e a turma tinha alguns rapazes. No mesmo dia recebi trotes, um deles perguntando se eu gostava de sexo, ao meio de risos adolescentes. Lembro que cuidava da minha filha, ainda pequena, e o quanto foi irritante ficar atendendo o celular. Após uma boa bronca, enfim, pararam.
A disciplina, como já direciona o título, era sobre sexualidade, e na época mexi um pouco na ementa e trouxe uma reflexão psicanalítica sobre pulsão e desejo para refletir sobre a moral sexual e a patologização sobre corpos e subjetividade, assim como também estruturei de forma a estudarmos o movimento feminista e LGBTQIAP+, abordando vários aspectos sobre conceito de gênero e luta dos movimentos sociais. Acredito que desapontei alguns desses rapazes (contém um pingo de ironia) quando entenderam que ali iriamos politizar o debate sobre sexo e sexualidade, e não erotizar meu corpo, como talvez tenham pensado no primeiro dia, ao ver uma professora de 30 anos iniciando o assunto proibido. Mas logo entendi, não era lugar comum uma mulher falar sobre sexo e sexualidade.
De forma geral, foi tranquilo ministrar essa disciplina por alguns anos. Muito pontualmente, apenas mais uma vez fui desrespeitada de forma assediosa por um aluno homem, no sentido sexual. Já no moral, alguns enfrentamentos, desde ouvir (sempre de homens incomodados) que não havia discriminação de gênero, que homens são vítimas e afins.
Outra vez, já recente, estava em um bar com uma grande amiga. Já era noiva do meu esposo e comentei sobre ser uma mulher bissexual. Já no fim da noite, o rapaz que paquerava essa minha amiga veio com papo estranho de viver novas experiências. Eu pensei que ele estava querendo me contar que era bissexual, mas só no dia seguinte que fui entender que ele estava tentando investir em mim, por fantasiar um triângulo sexual, onde ele seria o bendito, o fruto.
Fiquei muito espantada com a liberdade que ele se deu, que não havia sequer cogitado antes, por ser tão absurda – eu não estava disponível, não estávamos de flerte e ele estava com uma das minhas amigas mais especiais. Mas logo também entendi, além da bifobia de achar que mulheres bissexuais são disponíveis e “livres” sexualmente, esse Jurandi não respeitava a amizade entre duas mulheres, as sexualizando, e tampouco uma relação estável ou outro homem, o que importava era se dar bem.
Bem, meninos e rapazes, mulheres que falam abertamente sobre sexo não estão fazendo um convite para vocês. Dito isso, venho agora falar para as meninas e mulheres, não falamos sobre sexo abertamente porque nos fizeram entender que era errado, feio, pecado. Temos vergonha. Mas não apenas, somos facilmente julgadas e assediadas, como bem contei em dois pequenos fragmentos de cena.
Não aprendemos sobre nosso corpo e nem usufruímos toda potencialidade que ele carrega, pois nos ensinaram a não nos olharmos, não nos tocarmos, não reconhecermos nossa biologia e pior, ficarmos neuradas com estética, tudo excessivamente investido no controle do nosso corpo, menos o espaço para o orgasmo.
Nos ensinaram a performar para agradar o outro, nunca a nós mesmas. E com isso, carregamos tanto adestramento, até no nosso sangue mensal. Por isso, mulheres e meninas, queria dizer para vocês que é um mito que homens cis e hétero podem mais, isso é o que a sociedade permite. Mas nosso corpo é um mundo de sensações e potencias e não tem nada mais empoderador do que não precisar de alguém para gozar, de poder de escolha e autonomia que isso dá. O orgasmo de mulheres é político.
Goze com quem você escolher e desejar gozar, com o respeito que você merece.
E não, isso não nos torna mais fáceis, nos torna mais “difíceis”, pois quem escolhe sobre nós, somos nós. Sim, e isso tira um tantão de poder dos homens sobre nós e nos permite romper com discurso falocêntrico que enaltece o pênis, supervalorizando o órgão a pessoas e escolhas subjetivas, escolhas que inevitavelmente passam por essa cultura patriarcal. Subvertendo e brincando com Freud, dá até para entender a frase “as vezes, um charuto é só um charuto”.
Enquanto nós também fiscalizarmos mulheres para o recato, mas sofreremos com esse cenário que nos engole, dizendo que o mundo da autonomia do prazer pertence apenas aos homens. Politizemos o sexo e naturalizemos mulheres que falam sobre sua sexualidade, seu órgão e corpo, ato sexual e prazer. Se deixarmos apenas na boca dos homens, são eles que irão narrar, produzir e legislar discursos sobre nós e nossas vivências. E já vimos onde é que isso tudo dá.
Bárbara Sordi


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