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Quase 85% das emendas parlamentares de anos anteriores que o Congresso Nacional decidiu recuperar nesta semana têm origem no chamado orçamento secreto, mecanismo extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022 por falta de transparência e critérios públicos. Os dados constam em levantamentos do Tesouro Nacional e revelam que, dos R$ 2,97 bilhões ressuscitados por meio de um projeto de lei aprovado na noite de quarta-feira (17), cerca de R$ 2,5 bilhões correspondem a emendas do relator, o principal instrumento do orçamento secreto.

O projeto de lei complementar aprovado pelo Senado na última quarta-feira, que reduz isenções tributárias e eleva a taxação sobre casas de apostas e fintechs, também criou uma brecha para a revalidação de emendas parlamentares não pagas entre 2019 e 2023. A possibilidade foi incluída ainda na tramitação da proposta na Câmara dos Deputados, por meio de um “jabuti” negociado com o governo, permitindo o pagamento de emendas empenhadas em anos anteriores, mas canceladas por não terem sido liquidadas.

O texto abrange despesas discricionárias, emendas de comissão e também emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto, modalidade declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2022. Para serem pagas, as emendas precisam ter licitação iniciada, obedecer à Lei de Responsabilidade Fiscal e às regras de transparência, além de não envolver obras ou serviços sob investigação ou com irregularidades não sanadas, conforme apontamentos do Tribunal de Contas da União.

O projeto ainda depende de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para entrar em vigor. Caso seja aprovado, o governo federal ficará autorizado a pagar despesas que haviam sido empenhadas entre 2019 e 2023, mas que acabaram canceladas por não terem sido executadas dentro do prazo legal.

Para compreender o que está em jogo, é preciso entender como funciona o orçamento público. Quando uma despesa é empenhada, o governo reserva o recurso e assume o compromisso de pagamento. Se o serviço ou obra não é concluído naquele ano, o valor pode virar resto a pagar. Quando esses restos não são liquidados nem pagos dentro dos prazos estabelecidos, acabam sendo cancelados. Foi exatamente isso que ocorreu com essas emendas.

Agora, o Congresso aprovou um projeto que revive parte desses valores cancelados. Do total de R$ 2,97 bilhões recuperados, aproximadamente R$ 2,5 bilhões são de emendas do relator (orçamento secreto); R$ 254 milhões correspondem a emendas individuais, com autoria identificada; R$ 136 milhões vêm de emendas de bancada estadual; R$ 85 milhões são emendas de comissão.

Outros R$ 210 milhões, referentes a emendas anteriores a 2019, ficaram fora do projeto e seguem cancelados. No total, o volume de emendas anuladas originalmente chegava a R$ 3,2 bilhões.

A maior parte das emendas do relator agora recuperadas é dos anos de 2020 e 2021, período em que o orçamento secreto ganhou força durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Somente esses dois anos concentram cerca de R$ 2,4 bilhões do montante resgatado (R$ 1,3 bilhão de 2020 e R$ 1,1 bilhão de 2021). Há ainda R$ 39,7 milhões referentes a 2022.

Apesar de o Tesouro indicar a origem geral dos recursos, não há detalhamento público sobre quais parlamentares indicaram as emendas, nem quais municípios ou projetos serão beneficiados. Essa ausência de informação repete um dos principais problemas que levaram o STF a derrubar o mecanismo.

Embora os autores e destinos finais não sejam divulgados, é possível identificar os ministérios que receberão a maior fatia dos recursos. Mais da metade das emendas do relator recuperadas (cerca de R$ 1,26 bilhão, o que corresponde a 50,6%) será destinada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, responsável pela Codevasf, estatal que figurou entre as principais beneficiárias do orçamento secreto no passado.

Na sequência aparecem o Ministério da Educação, com R$ 555,5 milhões (22,3%), e o Ministério da Agricultura, com R$ 190 milhões (7,6%).

O orçamento secreto foi a denominação popular das emendas de relator criadas a partir de mudanças aprovadas pelo Congresso em 2019. Na prática, parlamentares solicitavam recursos ao relator do Orçamento, que os distribuía sem que os verdadeiros autores aparecessem nos sistemas oficiais. Apenas o nome do relator constava nos registros, o que ocultava quem indicava e quem recebia o dinheiro.

Além da falta de autoria explícita, os critérios de distribuição eram pouco claros e fortemente ligados à negociação política. A maior parte das verbas acabou direcionada a parlamentares da base do governo Bolsonaro, o que levou à classificação do mecanismo como uma ferramenta de barganha política com o Legislativo.

Em novembro de 2021, a então ministra Rosa Weber suspendeu os repasses. Após ajustes aprovados pelo Congresso, os pagamentos foram temporariamente retomados, mas, em dezembro de 2022, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou o modelo inconstitucional e determinou sua extinção definitiva.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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