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Após 24 anos de monitoramento contínuo, um dos mais longos experimentos já realizados em floresta tropical úmida indica que a Amazônia não entraria em colapso imediato diante da redução de chuvas, mas sofreria transformações profundas e duradouras. Essa é a principal conclusão do Esecaflor, estudo sobre os efeitos da seca na floresta conduzido pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e instituições nacionais e internacionais. Os resultados mais recentes indicam que a floresta é resiliente, porém essa capacidade de adaptação tem custos ecológicos significativos, como a perda de árvores de grande porte e alterações nos ciclos hidrológico e do carbono.

Coordenado pelo pesquisador Antonio Carlos Lôla da Costa, professor titular aposentado da UFPA e pesquisador voluntário do MPEG, o projeto é desenvolvido na Floresta Nacional de Caxiuanã, dentro da Estação Científica Ferreira Penna, no oeste parauara. O experimento teve início em novembro de 2001 e consistiu na exclusão de aproximadamente 50% da chuva incidente em uma área de um hectare de floresta, por meio da instalação de cerca de 6 mil painéis plásticos. Uma segunda área, de igual dimensão, foi mantida em condições naturais e utilizada como parcela de controle.

Professor Antonio Carlos Lôla da Costa (Arquivo Pessoal / Divulgação)

As duas áreas foram isoladas por trincheiras com profundidades entre 50 e 150 centímetros, impedindo a entrada lateral de água no solo. Torres metálicas de cerca de 40 metros de altura permitiram o acesso ao dossel para análises de fisiologia vegetal. Ao longo dos anos, os pesquisadores monitoraram crescimento, respiração e mortalidade das árvores, além de variáveis meteorológicas e características do solo, compondo um conjunto robusto de dados sobre a resposta da floresta ao estresse hídrico prolongado.

Segundo Lôla, nos primeiros anos não houve mudanças perceptíveis, já que o solo ainda mantinha umidade suficiente. O cenário começou a se alterar após cerca de cinco anos, quando a deficiência hídrica passou a se manifestar de forma mais intensa. Árvores de grande porte começaram a morrer e, ao longo de 15 anos, a área experimental perdeu aproximadamente 40% de sua biomassa. Diante desse quadro, os pesquisadores passaram a investigar se a floresta entraria em colapso ou se conseguiria reagir.

Os resultados mais recentes, publicados em março deste ano, indicam que, embora tenha havido grande mortalidade de árvores maiores, a floresta respondeu redistribuindo a pouca água disponível para indivíduos menores, que passaram a apresentar sinais de recuperação e crescimento. O pesquisador explicou que houve uma inversão no padrão observado anteriormente, quando o declínio predominava. Para Lôla, “a floresta não vai entrar em colapso se o homem souber manejá-la adequadamente”, ressalvando que se trata de um experimento controlado, muito diferente de processos de desmatamento em larga escala e rápida destruição da cobertura vegetal.

Apesar do sinal positivo da resiliência, o estudo evidencia mudanças estruturais importantes. A tendência observada é o desaparecimento progressivo das árvores de grande porte, resultando, no futuro, em uma floresta mais baixa. Em Caxiuanã, as árvores atingem em média entre 40 e 45 metros de altura; na parcela submetida à exclusão de chuva, esse padrão já foi alterado. Essa reconfiguração implica impactos diretos sobre o ciclo hidrológico, o ciclo do carbono e outros ciclos biogeoquímicos.

Lôla destaca que cada metro quadrado da floresta, nas condições atuais, libera de três a quatro litros de água por dia para a atmosfera. A redução do porte das árvores pode comprometer processos como a formação dos chamados “rios voadores”, com efeitos em cascata sobre o regime de chuvas em outras regiões. Segundo ele, “todos os ciclos biogeoquímicos vão ser alterados. Reduzindo a vegetação, as chuvas também serão reduzidas e mais dióxido de carbono será disponibilizado intensificando o efeito estufa”, o que contribui para o aumento da temperatura global. Para o pesquisador, os eventos extremos observados atualmente, como enchentes, secas prolongadas e tempestades severas, já são respostas da natureza às pressões humanas.

O coordenador do Esecaflor alerta que a conclusão sobre a capacidade de adaptação da floresta deve ser interpretada com cautela. Nem todas as espécies sobreviveram ao estresse hídrico, e a resiliência observada não significa manutenção das características originais do ecossistema. A floresta reage, mas se transforma, e essa transformação pode comprometer serviços ambientais essenciais.

O projeto entrou em uma nova fase em novembro de 2024, quando, após 23 anos, foi retirada a cobertura plástica da parcela experimental, permitindo o retorno da chuva em condições naturais. Um ano depois, os dados iniciais indicam que o estresse hídrico nas duas parcelas começa a se igualar, mas os pesquisadores ressaltam que se trata apenas do início dessa etapa, cujos efeitos ainda estão sendo avaliados.

Ao longo de mais de duas décadas, o Esecaflor resultou em mais de 100 artigos científicos internacionais e contribuiu para a formação de mais de uma centena de doutores e pós-doutores, além de dezenas de mestres. Para Lôla, apesar do avanço científico, permanece um desafio central: aproximar esse conhecimento da sociedade. Ele reconhece que a ciência ainda circula pouco fora do meio acadêmico e defende a necessidade de investir em cartilhas, visitas a escolas e formas mais acessíveis de comunicação. Segundo o pesquisador, “o cientista mostra o caminho, mas quem toma a decisão é o político”, ressaltando que os dados estão disponíveis, mas nem sempre orientam políticas públicas.

Outro aspecto destacado pelo coordenador é a relação construída com a comunidade do entorno da Estação Científica Ferreira Penna. Desde a implantação do experimento, moradores locais participaram da instalação e manutenção dos equipamentos e foram integrados às atividades de pesquisa. Para Lôla, essa parceria foi fundamental para o sucesso do projeto e também contribuiu para transformações sociais na região.

O Esecaflor segue aberto a colaborações e reúne uma equipe multidisciplinar formada por pesquisadores de instituições como UFPA, MPEG, Universidade de Exeter, Universidade de Oxford, Universidade de Leeds, Universidade Nacional da Austrália e Unicamp, entre outras. Embora o foco tenha sido tradicionalmente físico, químico e biológico, Lôla destaca que há espaço para profissionais das ciências humanas, como sociólogos, antropólogos e jornalistas. “Todos são bem-vindos, porque a ciência não se faz sozinha”, afirmou.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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