Publicado em: 7 de dezembro de 2025
As razões que levam uma nação a sucumbir à vontade de um grupo ou de um único homem é um fenômeno que merece ser estudado e ser debatido mais profundamente pela sociedade. A submissão é decorrente de fatores econômicos, sociais e históricos que se interconectam e que, combinados a um cenário de grande vulnerabilidade, propiciam a utilização de mecanismos de controle de poder capazes de submeter toda uma população.
A pandemia criou a conjuntura perfeita para o aparecimento de líderes autoritários ancorados no discurso da promessa de restabelecer a segurança, inclusive a proteção diante da morte. São os famigerados “salvadores”.
Existem várias formas do estabelecimento do domínio, mas vou discorrer apenas sobre algumas por entender serem as que nos deparamos mais amiúde e que abarcam de certa forma as demais.
Começarei com aquela em que o carisma de um líder cria uma forte identidade coletiva, aos moldes do que Freud pontuava na obra Psicologia das massas, no qual o mesmo inconsciente que constitui nossa subjetividade é o que vai fundamentar no grupo um mesmo ideal. É que a visão que temos do mundo e a que projetamos de nós mesmos refletem na realidade a maneira como estamos no mundo. Assim, uma população à margem da sociedade, que tem seus direitos e até a sua própria existência ignorada de forma sistemática pelo Estado, acaba por identificar-se com a história e os infortúnios, diabolicamente criados por líderes, formando um elo, o qual denominamos de psiquismo coletivo. Assim, essa “causa” passa a representar a bandeira do grupo e apesar do indivíduo não perder totalmente sua identificação subjetiva, ocorre um enfraquecimento da sua capacidade crítica, descontrole emocional, incapacidade de manter o bom senso, superabundância na demonstração de afetos (leia-se como afeto todos os sentimentos que afetam o indivíduo), descarregamento das emoções através das ações e também um funcionamento regredido. Os indivíduos se fundem numa identidade de grupo, perdendo o julgamento crítico individual em favor da lealdade ao líder e passando a agir como o amante, cego diante do ideal.
Lembrou-me a cena do filme O Joker, quando Thomas Wayne, em uma entrevista, defende as vítimas do metrô que eram seus empregados, dizendo que tipos como o Joker fazem parte da categoria que inveja as pessoas de sucesso, já que não passam de meros palhaços. Essa declaração inflamou ainda mais a população já bastante identificada com o criminoso, até aquele momento desconhecido, aumentando ainda mais a selvageria nas ruas, deixando claro como a insatisfação e a raiva são capazes de mover pessoas à consequências devastadoras.
Outra ferramenta poderosa e secularmente utilizada tanto na política quanto na religião e na imprensa é a disseminação do medo como forma de manipulação e controle social, influenciando decisões e comportamentos. O medo das consequências, sejam elas físicas ou sociais, é uma poderosa arma para a submissão. Punições desproporcionais são usadas para amedrontar a população e desencorajar futuras manifestações por receio de uma punição extremada. O medo inibe o pensamento crítico e deixa o indivíduo suscetível a narrativas simplistas e, portanto, menos propenso a questionar a origem das informações.
Zygmunt Bauman diz que o medo é o demônio mais sinistro do nosso tempo e que nasceu e morrerá junto com o ódio. O medo busca, inventa e constrói os objetivos sobre os quais deve descarregar o ódio e por outro lado o ódio precisa da qualidade assustadora dos seus objetivos como razão para existir. Parece que se conflituam, mas não conseguem separar-se.
A tática de controle dos meios de comunicação e da disseminação de narrativas atribuindo culpa pelos problemas ao adversário político, ao outro – o “inimigo”, seja ele externo ou interno – criam bodes expiatórios e desviam a atenção da sociedade das falhas dos governantes e, ao mesmo tempo, servem para justificar atos que ampliam seus poderes; a censura da liberdade de expressão; a repressão a críticas; a intolerância; as medidas abusivas; além de transformarem essa narrativa em ativo eleitoral, usando como mote a preocupação com o fortalecimento das instituições democráticas.
Desde a Roma antiga o entretenimento é usado pelos tiranos como forma de manter o povo distraído, entorpecido e “ocupado” demais para questionar o sistema. A diferença é que hoje não são as lutas no Coliseu, a arena é outra, mas o palco montado continua saindo do bolso da população que esses governos tratam de espremer com escorchantes impostos.
A tirania também se sustenta através da teia de corrupção e benefícios que tratam de tecer. Sabem que não agregarão apenas os covardes, mas também aqueles que preferem servir para amealhar bens do que lutar pela liberdade.
A submissão é resultado da combinação de medo, da busca por segurança diante de situações de grande desamparo, manipulação psicológica e social, e a promessa de identidade. É importante entender as relações de poder e subserviência, pois propiciam o desenvolvimento do pensamento crítico e explicam como falsos democratas escravizam uma sociedade.




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