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As frentes imobiliárias, quando bem conduzidas, podem gerar efeitos positivos, como o aumento de receita para reinvestimento em infraestrutura. A realização da COP acelerou alguns indicadores estruturais, como a coleta de esgoto, que passou de 19% para 39% de domicílios conectados. Ainda assim, há problemas que sentiremos com mais intensidade nos próximos anos, pois se relacionam a obstáculos culturais e regulatórios que não se resolvem com a mesma velocidade.

Entre esses problemas, dois merecem destaque e estão diretamente ligados: o calor extremo e a ausência de calçadas caminháveis. O calor dispensa apresentação. A cidade avança rapidamente para se tornar uma das mais quentes do mundo, consequência da supressão de vegetação e da expansão da malha viária asfaltada para áreas periféricas que não precisavam, nem deveriam ter recebido esse tipo de pavimentação. Essa expansão deriva de um modelo de desenvolvimento urbano insustentável, profundamente enraizado na nossa cultura e nas práticas políticas de gestão.

As calçadas em más condições surgem do mesmo modelo, agravadas por uma decisão regulatória que transferiu sua responsabilidade aos proprietários dos lotes. Essa escolha fez com que cada morador executasse a calçada como quisesse ou simplesmente não a fizesse. O resultado são superfícies irregulares e insalubres, que exigem quase a habilidade de um atleta de le parcours para chegar à esquina e representam um risco grave à saúde, sobretudo para pessoas idosas. Uma das vítimas desse cenário foi minha mãe, e em breve será um problema enfrentado por muita gente.

Entre 2010 e 2022, o Brasil registrou um crescimento de 56% na população idosa. Em Belém, os idosos representam hoje 16% da população e, em 2050, seremos 30%. Não é preciso lembrar que essa população futura seremos nós. Diante disso, é urgente perguntar qual é a solução para o problema de mobilidade que já se impõe.

A primeira resposta está na adoção de um novo modelo de desenvolvimento, comprometido com a sustentabilidade social e ambiental, especialmente após sediarmos uma COP. A segunda passa por municipalizar as calçadas. A transferência dessa responsabilidade nos anos 1990 foi um erro com consequências que recaem sobre a geração dos nossos pais. Se insistirmos nesse equívoco, chegará a nossa vez de pagar por ele, e, literalmente, de cair.

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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