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Na primeira semana da COP30, enquanto participava de atividades da Cúpula dos Povos, vivi uma cena curiosa. Um representante de um movimento social chegou com um grande volume de materiais impressos para distribuir. Brinquei dizendo que, apesar de estarmos em um evento climático, parecia justo “derrubar algumas árvores” para espalhar nossa mensagem. A reação dele foi a de um criminoso pego em flagrante: o semblante ficou sério, como se tivesse cometido um pecado ambiental. Voltei a esclarecer que era uma brincadeira, afinal, dias antes, o mesmo grupo havia realizado uma barqueata em embarcações movidas a diesel enfatizando que eram contra os combustíveis fósseis. Por isso, não imaginei que uma anedota despertaria qualquer peso na consciência.

Esse episódio, no entanto, revela a tendência de levar ao pé da letra o discurso ambiental. Greta Thunberg, por exemplo, não veio a Belém por causa da pegada de carbono de uma viagem de avião. Mas, como Bill Gates destacou logo no início do evento, a crise climática é, antes de tudo, um desafio econômico, e isso se comprova facilmente quando olhamos para nossa própria história.

Nas fotografias de Belém dos anos 1950 publicadas na revista Life, predominavam os veleiros. Eram embarcações mais ecológicas? Certamente. Mas a chegada dos motores aos rios amazônicos foi uma revolução logística. Reduziu custos, acelerou o transporte de perecíveis e ampliou o alcance das mercadorias. Ignorar esse impacto econômico seria desonesto.

Esse contraste ajuda a compreender o verdadeiro cerne do problema: não se trata simplesmente de limitar o acesso a bens ou tecnologias consideradas poluentes, mas de ampliar o acesso a alternativas sustentáveis. E os exemplos estão na nossa cidade. Uma mobilidade urbana precária empurrou a população para os carros, que hoje travam as ruas. A crise do transporte durante a pandemia empurrou muitos para as motocicletas, que se deslocam pelas ruas e até pelas calçadas.

Convém lembrar: as cidades são os principais emissores do planeta. E redesenhá-las para serem caminháveis, dotadas de infraestrutura verde e com sistemas de transporte dignos gera muito mais impacto ambiental positivo do que deixar de usar um barco a diesel ocasionalmente.

É justamente aqui que retorno àquela cena inicial. A reação culpada diante dos impressos talvez não fosse sobre o papel em si, mas sobre algo maior: a sensação de que cada gesto individual carrega o peso de salvar ou arruinar o planeta. No entanto, o que realmente transforma uma cidade não é a culpa, e sim a capacidade de revisar práticas, reconhecer falhas e planejar melhor.

Por isso, considero legítimas muitas das críticas dirigidas à nossa cidade durante a primeira semana da COP30. Não porque outras cidades brasileiras ou latino-americanas estejam em patamares tão superiores, mas porque acolher essas críticas é admitir que podemos e devemos evoluir. No fim das contas, assim como naquela brincadeira, o que está em jogo não é o material distribuído, mas o desejo de construir um lugar melhor para viver.

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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