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O estande do Ministério Público Federal na COP30, em Belém (PA), exibiu o filme “Amazônia, a Nova Minamata?”, do diretor brasileiro Jorge Bodanzky, seguido por uma roda de conversa que colocou em evidência a gravidade da contaminação por mercúrio na Amazônia. Procuradores e servidores do MPF, pesquisadores, acadêmicos, especialistas e comunicadores refletiram sobre a realidade vivida pelas populações tradicionais amazônicas com a contaminação das águas pelo metal pesado, utilizado indiscriminadamente pelo garimpo ilegal.

O painel reforçou a tese de que a crise do mercúrio já apresenta características semelhantes à tragédia de Minamata, no Japão, onde a contaminação industrial deixou um legado de doenças neurológicas, mortes e violações de direitos que se estendem há mais de 70 anos. Dados alarmantes foram evidenciados: entre 2018 e 2022, no mínimo 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas para a produção de ouro em garimpos pelo Brasil, principalmente na Amazônia, segundo estimativa divulgada pelo Instituto Escolhas.

Altamente tóxico, o mercúrio metálico permite a extração de ouro mesmo em partículas minúsculas. Ao ser despejado na água, a substância sofre uma reação química com microorganismos que o transformam em metilmercúrio, a forma orgânica mais tóxica do metal. Absorvido pelos organismos aquáticos como peixes – uma das principais proteínas consumidas por povos indígenas e ribeirinhos na Amazônia -, se acumula em tecidos por décadas. O consumo constante desses animais contaminados gera impactos graves e irreversíveis na saúde humana.

A contaminação por mercúrio causa danos neurológicos profundos especialmente em crianças, além de afetar gestantes. Ao abrir o debate no painel do MPF, a procuradora regional da República Sandra Kishi fez uma reflexão emocionante: a alta concentração de mercúrio nos rios não só mata, mas também tortura as comunidades. “Penso nessas mães que imaginam como seus filhos vão crescer com aquela expectativa negativa de um não desenvolvimento adequado”, refletiu.

Entre as décadas de 1930 e 1960, a empresa japonesa Chisso despejou cerca de 27 toneladas de compostos de mercúrio na Baía de Minamata. A exposição crônica levou a milhares de casos de danos neurológicos graves, cegueira, paralisia e deformidades congênitas. O episódio levou a Organização Mundial da Saúde a considerar Minamata como marco mundial de emergência sanitária. O episódio deu origem à Convenção de Minamata, tratado internacional do qual o Brasil é signatário e que prevê a eliminação gradual do uso do metal em atividades altamente poluentes.

No debate, o cientista e pesquisador da Rede Irerê de Proteção à Ciência, Marcelo Lima, avaliou que o país precisa investir na prevenção com biomonitoramento nos rios próximos às comunidades tradicionais, testagem sistemática em gestantes e suporte aos infectados. “Mulheres grávidas têm o direito de saber o que vão comer. Todas as bacias da Amazônia têm registros de gente contaminada. Para o Brasil cumprir a Convenção, precisa ter, pelo menos, uma estrutura laboratorial”, declarou, fazendo um alerta para a invisibilidade social desse envenenamento. “Aqui a gente ainda não discute como essas pessoas serão identificadas e indenizadas no futuro”.

No documentário, Bodanzky acompanha a saga do povo Munduruku para conter o impacto destrutivo do garimpo de ouro em seu território ancestral, enquanto revela como a doença de Minamata, decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça hoje os habitantes de toda a Amazônia. Imagens aéreas mostram as cicatrizes profundas deixadas pelo garimpo nas margens do rio Tapajós, e os resultados de estudos que registram níveis elevados de mercúrio no sangue e cabelo de indígenas, com claro risco neurológico e ainda mais grave para crianças e gestantes.

Instituições como ONU Meio Ambiente estimam que mais de 200 mil Km de rios já apresentam alteração de qualidade da água associada à mineração ilegal. Levantamentos da Fiocruz e WWF apontam que seis em cada dez indígenas Yanomami estão contaminados em níveis acima do aceitável. Em algumas áreas próximas a garimpos, o nível de contaminação chega a ser oito vezes superior ao considerado seguro pela OMS.

Para a procuradora da República Thais Santi, que atua no Pará, o filme é um “retrato cinematográfico da desgraça que atinge a Amazônia”. Para ela, a conclusão que a película evidencia é a responsabilidade do Estado, a partir da demora na demarcação de territórios indígenas e da omissão no combate à lavra garimpeira próximo às comunidades. “Essa é uma postura de um Estado que não produz e não sistematiza a informação que deveria, se baseando nisso pra guiar sua política econômica e pra se abster de adotar as políticas públicas necessárias”, afirmou. 

O painel também contou com a contribuição do procurador da República Gilberto Naves Filho, que atua diretamente com os indígenas Munduruku às margens do rio Tapajós, e de Ana Aranha, documentarista diretora do filme “Relatos de Um Correspondente da Guerra na Amazônia”. Naves reforçou o caráter institucional da luta e a importância da parceria com a comunidade científica para enfrentar a desinformação, enquanto Aranha representou a sociedade ao declarar que “a falta de controle da qualidade da água é um problema de todos, não só da Amazônia.”

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