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No pavilhão do Brasil na Green Zone da COP 30, ontem (12), a Associação Brasileira de Municípios e o Instuto Alziras realizaram um painel sobre como a ação climática nas cidades passa, necessariamente, pela perspectiva de gênero. A diretora do Instituto Alzira, Michelle Ferreti; a ministra das Mulheres, Márcia Lopes; a prefeita de Abaetetuba (PA) e vice-presidente nacional da ABM, Francineti Carvalho; a representante adjunta da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino; a deputada federal Juliana Cardoso e a assessora de projetos do Instituto Polis, Kelly Agopyan, enfatizaram a presença feminina na politica brasileira e politicas publicas para mulheres, desigualdades raciais, de gênero e sociais, e que as mulheres, especialmente nas periferias e comunidades tradicionais, são as mais impactadas pela crise climática. Por outro lado, são elas as líderes na linha de frente, construindo soluções reais e inovadoras.

Michelle Ferreti – A diretora do Instituto Alziras ressaltou que a emergência climática aprofunda as desigualdades e que esta é a COP da implementação e COP das mulheres, o Plano de Ação de Gênero vai orientar a ação dos países nas próximas décadas e nacionalizar os compromissos dessa agenda. Pontos de pauta, como mobilidade urbana e menos combustíveis fósseis podem aprofundar a discussão. “A mobilidade das mulheres na cidade é diferente e precisamos de modelos de transporte que sejam pensados para os trajetos de mulheres incluindo seus modelos de tarifação. As cidades foram historicamente pensadas por homens e para homens pois cabia às mulheres só os espaços domésticos e privados. Isto coloca em xeque o modelo de planejamento urbano. Áreas verdes, economia menos poluente, tem que reconhecer a economia de cuidados exercida pelas mulheres.Em tragédias climáticas homens morrem o dobro do que as mulheres, que têm uma percepção mais detalhada dos riscos e depois das tragédias ficam sobrecarregadas”, pontuou.



Ana Carolina Querino salientou que há trinta anos a ONU reconhece que mulheres sofrem efeitos desiguais das tragédias climáticas e as decisões precisam acompanhar essa desigualdade e os efeitos sofridos por elas em sua diversidade, pois sofrem diferentemente, de acordo com seu contexto, cor, etnia, condição financeira. Também realçou que 80% dos empregos verdes são em áreas tradicionais ocupadas por homens. “Como mulheres vão ocupar e se beneficiar com esse processo de transição? Mulheres devem ter espaço para se manifestar em espaços multigovernamentais. Nenhuma discussão levantada pelas mulheres é feita sem base em evidências”. Ela lembrou que a aprovação do plano de ação de gênero é expectativa para a COP30 e defendeu a formulação de políticas públicas a partir das necessidades das pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas, e que não é mais possível pensar em soluções climáticas sem levar em perspectiva os direitos das mulheres e políticas públicas que contemplem-nas.



Francineti Carvalho – A prefeita de Abaetetuba e vice-presidente da ABM fez questão de mostrar a importância da participação dos municípios na COP. “Eu costumo dizer sempre: ninguém mora na nação nem no Estado. Eles são elementos simbólicos, as pessoas moram nos municípios e é lá que elas buscam soluções. Em relação ao nosso tema de gênero e clima, quando eu cheguei um jornalista me perguntou qual a relação entre gênero e clima. Eu disse para ele que toda, toda a relação. São as mulheres e as crianças as mais afetadas. Toda vez que há um desastre ambiental, toda vez que há um problema, quando falta água, por exemplo, nas secas, as mulheres que carregam os baldes. A falta, por exemplo, de água potável, que é um problema ambiental, que gera diversas doenças hídricas na Amazônia, no fundo cercado ao seu rio, afeta diretamente as mulheres e as crianças, porque são as mulheres que cuidam. Na minha pesquisa de doutorado meu tema é a saúde mental de população de Belém. E a gente percebe que as mulheres são as que mais procuram serviços de saúde mental, com depressão, ansiedade. Quando a gente conversa com as mulheres, com a equipe de saúde, há um relato de que as mulheres estão exaustas, porque nós estamos no mundo do trabalho e as tarefas do cuidado, mesmo no século XXI, estão apenas sobre os ombros das mulheres. Então cuidar de pessoas doentes se torna ainda mais difícil. Todas as pesquisas mostram o quanto a questão da poluição ambiental tem aumentado o número de doenças hormonais nas crianças, doenças respiratórias. Nós precisamos falar disso, de quanto essa tarefa de cuidar está muito sobre as mulheres. A minha cidade tem três realidades. Nós somos urbanos e é preciso dizer que 70% da população da Amazônia vive na cidade, que é algo que as pessoas não conseguem muitas vezes entender. Quando se pensa na Amazônia, as pessoas pensam só na floresta. E a floresta não é algo simbólico, precisa ser protegida e cuidada. Mas na minha cidade somos urbanos e ribeirinhos, temos 72 ruas, 171 escolas, sendo que dessas 128 estão na zona rural. Então nós lidamos com diferentes tipos de mulheres, que têm demandas e problemas diferentes, e que a gente não pode deixar de falar. Nós temos mulheres pescadoras que enfrentam, por exemplo, o excesso de sol. Então a gente está falando de toda essa complexidade e precisa entender que nós só teremos realmente um país justo quando conseguirmos alcançar pelo menos a qualidade de vida. O Instituto Alziras, representado pela Michelle, fez um grande estudo das prefeitas. Ainda somos a minoria, minha cidade tem 15 vereadores e só uma mulher vereadora. Eu costumo brincar que a turma fica a dizer “terra de homens fortes e valentes”, mas são as mulheres. Na verdade, isso é uma brincadeira para a gente mostrar que nós queremos no espaço de poder homens e mulheres, mas sem aquela história de “atrás de um grande homem tem uma mulher”. Nós queremos lado a lado grandes homens e grandes mulheres. É isso que nós desejamos, porque a gente precisa ter um olhar feminino para pensar em políticas que atendam as demandas femininas, as demandas das crianças. A grande maioria das famílias brasileiras é gerida por mulheres. Na zona rural, a mulher não cuida só da família dela. Ela cuida também da terra e da comunidade. Elas são líderes comunitárias, muitas vezes são essas mulheres que enfrentam a violência, são elas que denunciam o abusador, o violento, e elas são vítimas da violência. Eu quero mais uma vez aqui reforçar que nós precisamos entender que as águas da Amazônia não podem ser um obstáculo para que o cuidado chegue. Elas têm que ser uma conexão, o cuidado de chegar em cada campo dessa missão. E o cuidado tem que ser partilhado entre homens e mulheres. Isso é fundamental, inclusive, para que a gente possa combater as mudanças climáticas”.

Ministra Márcia Lopes – “As mulheres sempre são mais de 50% nos nossos municípios, no nosso país. Somos em 110 milhões de mulheres no Brasil, e no mundo 4 milhões de mulheres. Então, é claro, e aqui eu tenho certeza que já foi dito, da responsabilidade que é a gente fazer a gestão de uma cidade de um jeito em que a equidade de gênero esteja presente, e que a gente reconheça, ainda mais falando de justiça climática. Como administrar uma cidade, como pensar no clima, pensar na preservação ambiental, se a gente não considerar as especificidades? Uma coisa é uma cidade que tem uma hidrelétrica junto, uma coisa é uma cidade que tem mar, outra coisa é uma cidade que é praticamente rural. Nós fizemos uma cartilha que coloca as mulheres nas ações climáticas. O Ministério das Mulheres lançou essa cartilha na nossa quinta conferência nacional. O Brasil é poderoso, tem quadros incríveis de inteligência, tem técnicos, especialistas nas universidades, nos institutos de estudos, pesquisas, nos movimentos sociais. E as próprias mulheres têm as soluções. As mulheres das águas, campos e florestas, as mulheres quebradeiras de coco, as mulheres que estão trabalhando, produzindo, e é disso que nós precisamos. Nós precisamos ter uma articulação entre a gestão local e entre os movimentos sociais, entre as comunidades. Eu não tenho dúvida, eu gostaria muito que vocês pudessem assimilar o que está aqui, vamos lançar hoje ainda um protocolo do Ministério das Mulheres para que as cidades tenham compromisso. Escutar a sociedade, escutar as mulheres, planejar o lançamento e a questão climática. Nós sabemos que ela está em todos os lugares, na saúde, na educação, na assistência social, na comunidade, no meio ambiente, no trabalho, nas comunidades. Então eu espero que cada prefeito, cada Câmara de Vereadores tenha a responsabilidade, o compromisso de diálogo, de escuta, de qualificação das realidades, sempre um bom diagnóstico para poder fazer um bom planejamento participativo e adequar as necessidades da população, respeitando a todas, todos e todes. Uma política climática feminista não é uma política pequena, nem é um lixo, não é uma demanda de um setor, é uma política transformadora. Ela nos permite reconstruir a cidade a partir da vida, e não a partir do mundo, a partir dos territórios, e não a partir dos interesses privados, a partir do cuidado, e não da violência jamais, a partir da justiça e não da desigualdade.”



Kelly Agopyan destacou que as mulheres vivenciam as cidades de forma muito diferente dos homens. Os espaços públicos são inseguros para mulheres. O setor público e produtivo é mal remunerado e masculinizado, atrapalha o acesso das mulheres à educação e ao trabalho. Por outro lado, a mobilidade urbana não é pensada para atividades de pequenos trajetos, geralmente de cuidados que são realizados por mulheres, que antes de ir para o trabalho cuidam dos filhos, dos pais e do lar. Ela enfatizou ser preciso entender que os impactos das mudanças climáticas são sentidos de forma diferenciada entre as mulheres. “É uma realidade e não uma coincidência. Os territórios da cidade com maior população negra e mulheres chefes de família são os com maior risco de tragédias climáticas, aponta pesquisa do Instituto Pólis lançada na semana passada. Doenças de veiculação hídrica ou vetoriais como dengue afetam jovens que geram sobrecarga para as mulheres que cuidam deles e não dá para falar desses problemas de forma isolada, daí a urgência de uma politica nacional de cuidados”.



A deputada federal Juliana Carvalho frisou a obrigação de o Congresso Nacional alocar recursos a fim de reduzir a crise ambiental. “No parlamento, dependendo do deputado e da religião, é como se fosse colocar o diabo em pessoa, um estado ruim dessa palavra, quando se fala em gênero. Vivemos num país machista, que machuca as mulheres, com feminicídio em alta, o racismo e misoginia persistem, lgbtfobia existe, reflexo do capital, mesquinhez, espaços delimitados nos quais a população não pode entrar. Falar de gênero no Legislativo é uma grande dificuldade. As pautas, inclusive entre as mulheres, não conseguem avançar, como a sobre a descriminalização do aborto. Resolução do Conanda que é antiga retroagiu esta semana. A crise climática ambiental tem cor, raça, gênero, classe social. Estes lugares precisam de inventimentos muito mais assertivos. Deputados inventam legislações sem conversar com a população para saberem de suas necessidades. Querem mudança no plano diretor por causa da especulação imobiliária que impacta em muitas comunidades que não têm suas terras regulamentadas. Prometem arborização e não cumprem. Grandes empreendimentos mandam lixos e esgotos para a periferia. Causam muito trânsito, muito carro, não se investe em equipamentos de transporte público para não ter um espaço tão poluído. A maioria dos deputados é vinculada ao agro e às multinacionais. Há municípios trabalhando com o selo verde, mas quando se olha mais profundamente, eles ampliam o aterro dizendo que vão ampliar o ecoparque, mas a troca não é justa e não supre as necessidades. Devemos observar as táticas de camuflagem para aprovar remoção de pessoas e devastação de áreas verdes. Os parques lineares servem para as grandes construções que chegam no setor. O marco temporal é inconstitucional. As pessoas não escutam o conhecimento indígena porque ele é contra os interesses do grande capital. O judiciário compactua com isso, autorizando a invasão das terras indígenas. Se o povo tivesse entendimento do seu poder do voto, nós talvez não estaríamos passando por essa crise climática e ambiental. A mídia faz as pessoas desistirem da política, mas não se deve desistir. Movimentos sociais fazem acontecer uma política justa”.

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