Publicado em: 25 de outubro de 2025
O tradicional cortejo com tochas pelas ruas de Oslo, que marca a entrega do Prêmio Nobel da Paz, não será organizado este ano pelo Conselho da Paz da Noruega. A entidade, que há décadas é responsável pela celebração simbólica, anunciou nesta última sexta-feira, 24 de outubro, que se retirará da organização do evento em protesto contra a escolha da venezuelana María Corina Machado como laureada de 2024.
O Conselho da Paz, que reúne 17 organizações pacifistas norueguesas e representa cerca de 15 mil ativistas, afirmou que a decisão foi tomada por entender que a premiada “não está alinhada com os valores fundamentais do Conselho de Paz norueguês e dos seus membros”. Em comunicado oficial, a presidente da entidade, Eline H. Lorentzen, explicou que a decisão foi cuidadosamente ponderada. “É uma decisão difícil, mas necessária. Temos um grande respeito pelo Comitê Nobel e pelo Prêmio da Paz como instituição, mas, como organização, temos de ser fiéis aos nossos princípios e ao amplo movimento pela paz que representamos. Esperamos celebrar novamente o prémio nos próximos anos”, declarou.
Lorentzen também reforçou, em entrevista ao jornal norueguês VG, que há divergências éticas em relação ao modo de atuação da opositora venezuelana. “Alguns dos seus métodos não estão em consonância com os nossos princípios e valores e os das nossas organizações membros, como a promoção do diálogo e de métodos não-violentos”, afirmou.
A decisão rompe uma tradição que remonta a 1954, quando o cortejo de tochas foi realizado pela primeira vez. O evento, que percorre o centro da capital norueguesa até o hotel onde o vencedor do Nobel da Paz está hospedado, é um dos momentos mais emblemáticos das comemorações. Embora faça parte do calendário do prêmio, o cortejo não é organizado pelo Instituto Nobel, mas sim pelo Conselho da Paz que, em raras ocasiões, já havia se recusado a assumir a função, como ocorreu em 2012, quando a União Europeia foi laureada.
O Comitê Nobel da Noruega, órgão composto por cinco membros designados pelo parlamento norueguês com mandato de seis anos, é responsável pela escolha do vencedor do Prêmio da Paz, segundo critérios que refletem a correlação política vigente na casa legislativa.
A escolha de María Corina Machado para o Prêmio Nobel da Paz provocou ampla reação negativa entre líderes políticos, especialistas, governos e movimentos sociais de diferentes países, que classificaram a decisão como contraditória e preocupante. Conhecida por sua atuação na extrema direita venezuelana, Machado tem manifestado apoio público ao governo de Benjamin Netanyahu em meio ao genocídio em Gaza e, em diversas ocasiões, incitado a agressão armada contra a Venezuela.
A ex-deputada também defende o aumento da pressão dos Estados Unidos sobre seu próprio país, sob o argumento de que sanções internacionais seriam um instrumento para promover a “mudança de governo”. No entanto, como destacam observadores e analistas, suas declarações raramente abordam soluções econômicas ou caminhos pacíficos para a grave crise humanitária vivida pela população venezuelana. Especialistas em direitos humanos alertam que a imposição de sanções constitui uma forma “cruel” de punição coletiva, que atinge diretamente os mais pobres, agravando a fome, o desemprego e o êxodo forçado de milhões de pessoas, que é estimado entre 4,5 e 7 milhões, conforme diferentes institutos.
Um dos efeitos considerados mais perversos desse processo é o aumento da xenofobia contra venezuelanos no exterior, problema diante do qual Machado tem se mostrado indiferente. Seus interesses políticos, por sua vez, têm sido comparados aos de figuras da extrema direita latino-americana, especialmente à família do ex-presidente Jair Bolsonaro, com o seu filho deputado Eduardo Bolsonaro articulando novas “sanções” contra o Brasil nos Estados Unidos, inclusive pedindo que membros do Judiciário tenham seus vistos de entrada em território estadunidense cassados, num movimento que ecoa a retórica e as alianças ideológicas de María Corina Machado.
Diante da recusa do Conselho da Paz, a Aliança Norueguesa de Justiça Venezuelana informou que ficará responsável pela organização do cortejo de 2024. Até o momento, no entanto, o Instituto Nobel norueguês não confirmou se María Corina Machado, que vive na clandestinidade em seu país por razões de segurança, conseguirá viajar a Oslo para receber pessoalmente o prêmio na cerimônia marcada para 10 de dezembro.
Foto em destaque: Jo Straube / Nobel Prize Outreach









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