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A Justiça Federal determinou a anulação das licenças ambientais concedidas para a construção de um terminal portuário às margens do Lago do Maicá, em Santarém, atendendo integralmente a ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA). A sentença, publicada na última segunda-feira, 15 de setembro, reconheceu graves irregularidades no processo de licenciamento e determinou a paralisação imediata das obras, proibindo a empresa Atem’s Distribuidora de Petróleo e o Estado do Pará de prosseguirem com o projeto até que todas as falhas sejam sanadas. Na prática, significa a necessidade de reiniciar o licenciamento desde o início.

O juiz responsável pela decisão acolheu o argumento central do MPF: a violação do direito de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) das comunidades tradicionais afetadas, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que possui força de lei no Brasil. Segundo o processo, o terminal incidiria diretamente sobre territórios ocupados por quilombolas, indígenas e pescadores artesanais, sem que fosse realizada qualquer consulta efetiva. A Semas, órgão estadual responsável pelo licenciamento, limitou-se a enviar um ofício à Fundação Cultural Palmares um dia antes da emissão das licenças, ato considerado meramente protocolar e incapaz de suprir a exigência legal.

O MPF demonstrou que a Atem’s fracionou o projeto em duas etapas para escapar da obrigação de apresentar um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Eia/Rima). Inicialmente, a empresa requereu licenças para um terminal de cargas não perigosas, autorizadas com base em estudos simplificados. Posteriormente, já com as obras em andamento, protocolou novo pedido, revelando a real finalidade: operar o transporte e distribuição de combustíveis, classificados como produtos perigosos. Para a Justiça, tratou-se de uma estratégia de burlar a legislação ambiental, motivo pelo qual foram anuladas tanto as licenças já expedidas quanto os processos administrativos em curso.

A sentença reitera a importância estratégica e ecológica do Lago do Maicá, descrito nos autos como o corpo hídrico mais relevante da área urbana de Santarém para a produção pesqueira e berçário de diversas espécies da ictiofauna do Baixo Amazonas. A instalação de um porto voltado ao escoamento de combustíveis na região representa risco elevado de acidentes ambientais, com potenciais impactos irreversíveis sobre a biodiversidade e a subsistência das famílias locais.

As comunidades quilombolas Pérola do Maicá, a apenas 1,2 km da área do empreendimento, além de Arapema (4,1 km) e Saracura (7,6 km), foram apontadas no processo como diretamente vulneráveis. Também a Praia dos Ossos, espaço de intensa atividade pesqueira e de sobrevivência, seria fortemente impactada.

A decisão estabelece requisitos obrigatórios para qualquer tentativa futura de licenciamento do empreendimento: realização de Consulta Prévia, Livre e Informada nos moldes da Convenção 169 da OIT; elaboração de Estudo de Componente Indígena (ECI) e Estudo de Componente Quilombola (ECQ); apresentação de um Eia/Rima completo, com enfoque socioantropológico, sujeito a aprovação do órgão ambiental competente e acompanhado de audiência pública.

Embora tenha rejeitado, neste momento, o pedido de demolição das estruturas já erguidas, a Justiça destacou que o uso futuro dessas construções dependerá da regularização integral do processo de licenciamento.

Foto: Prefeitura de Santarém via MPF

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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