Publicado em: 3 de setembro de 2025
Nove pessoas denunciadas pelo Ministério Público Federal por fraudes na aquisição de 400 ventiladores pulmonares pelo governo do Pará em 2020, durante a pandemia da covid-19, numa compra que totalizou R$ 50,4 milhões, serão julgadas pela 3ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Belém (PA). A investigação, conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF, revelou que o processo de dispensa de licitação foi montado para direcionar a compra para a empresa SKN do Brasil Importação e Exportação de Eletroeletrônicos.
Os acusados do esquema criminoso são agentes públicos de alto escalão, empresários e intermediários, e responderão por fraude em licitação, superfaturamento, entrega de produto inservível, falsidade ideológica, peculato, corrupção passiva e associação criminosa. Entre eles figuram o ex-chefe da Casa Civil Parsifal Pontes; o ex-titular da Sespa, Alberto Beltrame; o ex-secretário adjunto de Gestão Administrativa da Sespa, Peter Cassol Silveira; o ex-assessor de gabinete do governador, Leonardo Maia Nascimento; a ex-diretora de Departamento Administrativo e Serviços da Sespa Cintia de Santana Andrade Teixeira; e a ex-assessora da Sespa. Completam a lista de réus empresários e representantes da SKN do Brasil.
Os procuradores da República sustentam que os envolvidos fraudaram o processo de dispensa de licitação e o contrato dele decorrente para a compra dos 400 ventiladores. A denúncia detalha uma série de irregularidades e evidências coletadas durante a investigação, incluindo:
• Contrato e pagamento antecipado fraudulentos: o contrato foi formulado pelos próprios contratantes e encaminhada a Parsifal Pontes para ajustes antes mesmo de qualquer procedimento licitatório. Foi efetuado pagamento antecipado de R$ 25,2 milhões à SKN do Brasil, correspondendo a metade do valor total, sem qualquer garantia de entrega ou outras garantias previstas na Lei de Licitações;
• Montagem do processo licitatório: o processo de dispensa de licitação foi montado de forma extemporânea, com documentos produzidos com datas retroativas para conferir uma aparência de legalidade à compra já acordada;
• Irregularidades da SKN do Brasil: a empresa não tinha qualificação técnica, nem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comercializar ventiladores pulmonares, e suas atividades econômicas registradas não incluíam equipamentos médico-hospitalares;
• Superfaturamento: laudos periciais da Polícia Federal indicaram superfaturamento com preços 80% acima do valor de mercado de equipamentos similares. Além disso, a SKN cobrou do governo do Pará R$ 5,5 milhões pelo frete internacional dos respiradores. No entanto, esse custo foi, na verdade, coberto por uma doação da empresa Vale;
• Entrega de produto inservível: os respiradores eram do modelo diferente do contratado. A troca não teve justificativa, e os equipamentos entregues foram considerados inservíveis para o tratamento de pacientes com covid-19, sendo mais adequados para uso pedagógico;
• Desvio de recursos e corrupção: no mesmo dia em que o governo do Pará transferiu R$ 25,2 milhões à SKN, o representante da empresa transferiu R$ 1 milhão da SKN para uma empresa de fachada. O objetivo era subsidiar o pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos;
• Dinheiro em espécie: durante mandados de busca e apreensão em junho de 2020, foram encontrados dinheiro em espécie nas residências de investigados que somam quase R$ 1 milhão;
• Ocultação de provas: o telefone celular de Alberto Beltrame foi apreendido com todos os arquivos de multimídia, planilhas, documentos, mensagens tipo SMS e conversas de WhatsApp com outros investigados anteriores a maio/junho de 2020 apagados, sugerindo tentativa de ocultar fatos;
• Relação pré-existente: o representante da SKN mantinha relação de amizade e proximidade com o governador Helder Barbalho desde 2018, conforme trocas de mensagens no WhatsApp apresentadas na denúncia. As tratativas para a compra dos respiradores iniciaram em março de 2020, com o representante enviando imagens dos aparelhos diretamente ao governador, muito antes de qualquer procedimento licitatório formal. O MPF não apresentou denúncia contra o governador porque o inquérito em que ele foi investigado foi arquivado pelo STJ em outubro de 2023, em procedimento que permanece sob sigilo.
Além da condenação dos nove denunciados a penas de prisão, o MPF pediu que a Justiça determine que o grupo pague R$ 25,2 milhões em reparação por danos materiais e que cada denunciado pague R$ 500 mil por danos morais coletivos. O MPF argumenta que os delitos, praticados em meio à maior crise sanitária recente, causaram abalo moral à sociedade, descrédito e intranquilidade social, ferindo os valores constitucionais e republicanos.
A Justiça retirou o sigilo do processo (Ação Penal nº 1015947-12.2024.4.01.3900) e autorizou o compartilhamento das provas com a Controladoria-Geral da União (CGU) e com a Receita Federal.
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