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O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou a nulidade de registros privados de propriedade sobre a Terra Indígena Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, no sul do Pará. A decisão da Décima Primeira Turma, publicada na terça-feira, 24 de junho, manteve sentença da primeira instância da Justiça Federal e atendeu a um pedido da União em ação civil pública proposta com a atuação decisiva do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A ação judicial teve como alvo principal a empresa Exportadora Peracchi Ltda., que possuía títulos dominiais incidentes sobre o território demarcado. Apesar da existência de processo demarcatório em curso e da homologação presidencial da Terra Indígena em 2007, a empresa promoveu atividades de exploração madeireira e transferiu os imóveis para um de seus sócios, numa tentativa de dificultar a responsabilização jurídica. O TRF1, no entanto, rejeitou a manobra patrimonial e reiterou que tais atos não anulam a decisão judicial nem afastam a legitimidade da empresa no processo.

Em seu acórdão, o TRF1 foi categórico: “O direito indígena é originário, preexiste à demarcação, e a Constituição declara nulos todos os atos que tenham por objeto o domínio, posse ou ocupação de terras tradicionalmente ocupadas por silvícolas”, citando o §6º do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que reconhece a ocupação tradicional como direito fundamental, independente de registro oficial.

A decisão também afastou alegações de cerceamento de defesa por parte da empresa, destacando que a perícia requerida não foi realizada por negligência da própria parte, que não efetuou o pagamento dos honorários periciais. O TRF1 ainda reafirmou a legalidade da demarcação da Terra Indígena Apyterewa, conduzida segundo o Decreto nº 1.775/96 e devidamente homologada em abril de 2007 após a correção de um erro cartográfico.

Outro ponto central da decisão foi o respaldo técnico do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), que atestou a inexistência de alienações regulares sobre a área em disputa, evidenciando a falsidade e irregularidade dos registros apresentados pela empresa. A jurisprudência consolidada do TRF1 também foi citada, reiterando que registros particulares sobre terras indígenas são ineficazes, mesmo que anteriores à promulgação da Constituição de 1988, justamente porque o reconhecimento desses territórios tem efeito declaratório, e não constitutivo.

A Terra Indígena Apyterewa é uma das mais ameaçadas por grilagem, desmatamento e violência fundiária na Amazônia brasileira. Historicamente ocupada pelo povo Parakanã, o território enfrenta uma longa série de invasões e conflitos ligados à expansão do agronegócio, garimpo e madeireiras ilegais. A confirmação da nulidade dos títulos privados sobrepostos à área representa um marco jurídico na defesa dos direitos originários dos povos indígenas, reafirmando o entendimento de que a presença e o vínculo cultural das comunidades com seus territórios são anteriores e superiores a qualquer tentativa de apropriação formal via cartório.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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