0
 

No Brasil, vive-se tempos de relativo pluralismo religioso. De fato, a garantia constitucional da liberdade religiosa nos países democráticos contemporâneos assegura igualdade de tratamento às diversas religiões. Sob essa ótica, almeja-se evitar que diferenças entre elas se convertam em muros intransponíveis, os quais impediriam cada uma de manifestar-se livremente e participar sem abuso da vida democrática. 

Conforme o magistério do saudoso constitucionalista brasileiro Celso Ribeiro Bastos, a liberdade religiosa divide-se em: liberdade de consciência e de crença, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa. Para o ilustre jurista, a liberdade de consciência não se confunde com a de crença, pois a primeira pode expressar-se esvaziada de crença – como ocorre no ateísmo e no agnosticismo. Ademais, a liberdade de consciência pode exprimir valores morais e espirituais alheios à religião, a exemplo de movimentos pacifistas que, embora valorizem a paz, não necessariamente derivam de fé religiosa. 

A liberdade de culto, por sua vez, exterioriza a dimensão íntima do indivíduo e, diferentemente desta, demanda solenidade, ritual, oportunidade e local adequado para manifestar-se. Sua relevância e evolução histórica são perceptíveis, por exemplo, no Brasil Império, onde tal liberdade era restrita ao culto católico. 

Já a liberdade de organização religiosa visa assegurar às diferentes religiões o direito de constituírem-se, inclusive com personalidade jurídica nos termos da lei civil, sem embaraços para sua criação. Como destacado por Thomas M. Cooley em Princípios Gerais de Direito Constitucional nos Estados Unidos da América (já traduzido para o vernáculo), a liberdade religiosa pressupõe tratar todas as religiões com isonomia, respeito e tolerância. Isso implica, necessariamente, que o Poder Público não favoreça uma em detrimento das demais, abstendo-se de discriminá-las – seja prejudicando, seja privilegiando. 

É crucial lembrar também que o exercício do direito à liberdade religiosa tem limites. Assim, não pode prevalecer contra obrigações legais universais, contra o direito à integridade física e moral das pessoas ou contra o próprio direito à vida. 

Com o avanço do tempo e observando um pouco a realidade, talvez seja necessário começar a pesquisar sobre o possível abuso no exercício da liberdade religiosa em conjuntura de eleições. Pois, o exercício da liberdade religiosa não deveria estimular ou ressuscitar o voto de cabresto, aquele em que o eleitor escolhia um candidato por determinação de um chefe político ou cabo eleitoral, conforme se extrai do Glossário Eleitoral Brasileiro. Isso, caso ocorra, enfraquece profundamente a liberdade de escolha de cada cidadão e constitui um passaporte para privilegiar interesses divorciados das necessidades da população em geral e pode gerar um quadro de baixa qualidade da representação e instabilidade institucional, lesando o bem de todos.

Ao lado disso, merece pesquisa a associação do crime de lavagem de dinheiro e certas igrejas, conforme tem evidenciado algumas reportagens. Veja-se, por exemplo, esta reportagem de junho do ano passado com o seguinte título “Brasil tem 72 facções ligadas ao tráfico de drogas, diz pesquisa”, no UOL.

O exercício da liberdade religiosa não deveria alimentar o ódio, a intolerância, o crime e nem tratar o fiel como marionete.

Por fim, ressalte-se, que qualquer ato do Poder Público ou de particulares contra a liberdade religiosa – sem amparo nos limites normativos vigentes – constitui flagrante violação da ordem jurídica constitucional. Note-se desse modo, o dever estatal de dispensar tratamento isonômico a todas as denominações religiosas, inclusive ao convocá-las para cooperar em programas sociais e culturais. 

Staël Sena
Stael Sena é advogado pós-graduado em Direito (UFPA) e presidente da Comissão Estadual de Defesa da Liberdade de Imprensa da OAB-PA.

Festival Junino de Abaetetuba foi sucesso no Arraial da Sustentabilidade

Anterior

Samuel Fritz e a Amazônia

Próximo

Você pode gostar

Mais de Direito

Comentários