Publicado em: 15 de junho de 2025
O que eu quero? O que queres de mim? O que é isso que nos move e que também nos deixa um buraco, um vazio, uma falta? E que faltando, faz com que desejemos, porque só desejamos aquilo que falta.
É uma pergunta enigmática porque o sujeito não sabe o que é, e muitas vezes nem quer saber. Lembram da letra da música Ideologia, do Cazuza? “Eu vou pagar a conta do analista para nunca mais ter que saber quem eu sou”.
Mas, “che vuoi”, também pode se referir a uma tentativa de decifrar o desejo do Outro. Que mistério é esse que evoca esse desejo que não temos consciência e que nos diz muito da nossa relação com o outro?
Depois de tantos questionamentos chegamos na palavra, no afeto: amor. O que é o amor? Platão falava do amor como um caminho para a busca do conhecimento e para o encontro com a essência do belo. Daquela beleza que se experimenta, mas que não está no mundo sensível e mutável.
Na perspectiva psicanalista, o amor é uma força multidimensional, sempre ligado à subjetividade de cada um e ao que vivenciamos com nossos pais nos primeiros anos da nossa existência. Assim, investimos nossa libido no outro, idealizando-o, fantasiando-o, identificando-nos com ele, numa busca pela complementariedade, acreditando que encontraremos no outro uma parte que nos livre da nossa falta, preenchendo-nos. Amor é a expressão da líbido, energia vital que nos impulsiona aos instintos sexuais e à sobrevivência.
Amar é uma experiência solitária que vivemos junto com alguém, ainda que esse outro também nos ame. O fato é que amamos sozinhos, cada um a sua maneira, de acordo com sua história e feridas, abertas ou cicatrizadas. O amor nos salva da morte quando bebês, através da mãe que nos alimenta e cuida, e também nos constituiu enquanto sujeitos desejantes. E é essa ideia de que nossa mãe entendia o que queríamos, ao chorarmos quando bebês, que nos faz acreditar que existe alguém, em algum lugar deste mundo, que nos compreende sem que precisemos falar. Acontece que ninguém no mundo nos conhece mais e melhor que nós mesmos. A mãe também não sabia, era no puro chute que ela dizia: “Tá com fome”. “Agora, está fazendo tolice”. Mas dessa interpretação nasce nossa primeira experiência narcísica.
João Bosco, literalmente, “cantou a pedra” ao compor: “o amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia. Esquece sim!”. Ficamos fascinados pelo outro e nem conseguimos entender o porquê. O mais incrível é que, às vezes, o que nos encanta é o defeito. Nunca esqueço o comentário de um amigo, seguido de sua própria gargalhada: “como me apaixonei por essa pessoa que andava igual a um pinguim?” É que a nossa experiência com o outro é única. Gosto de pensar na forma como olhamos nos olhos de quem amamos. É como se fosse um mar com águas mornas que quando entramos o mundo ao nosso redor se transforma e vemos surgir o sol mesmo quando é noite e sentimos uma música celestial, ainda que estejamos em meio ao caos.
Alguns tentam se defender do amor, utilizando o discurso do “eu me basto”. Acontece que o amor fascina e aterroriza, ao mesmo tempo, pelo medo de nos tornar cativos. É o medo da paixão. Aquela que, via de regra, vem antes do amor.
Carlos Gardel foi incrível ao escrever uma das mais famosas canções do tango argentino, “Por una cabeza”. Essa expressão é usada para descrever, nas corridas de cavalo, quando o cavalo vence pela diferença mínima de apenas uma cabeça. Gardel usa a metáfora equina para comparar a paixão (pathos), na qual o homem é arrastado de forma irresistível aos braços de uma mulher, ao transtorno obsessivo compulsivo (pathologia) pela aposta nas corridas de cavalo. A promessa do amor e a possibilidade de vencer a aposta são irresistíveis.
Via de regra a paixão vem antes do amor. Somente quando o fogo diminui é que poderá surgir, ou não, o amor. O certo é que se amamos, sofremos, e se não amamos, sofremos também. Então, por que a coisa mais bela de nossa vida tem que ser dolorosa? Porque não damos ouvido ao que sabemos. Entendemos que não existe alma gêmea, metade da laranja, mas simplesmente continuamos agindo como se existisse e muitas vezes insistindo no “para sempre”.
Alguns, para preservar o amor optam por viver em casas separadas ou mesmo em relacionamentos a longa distância, como uma forma de manter o encantamento e o que mais nos fascina no amor: a falta. Por mais terrível que pareça, a morte não nos separa. Une-nos. O que nos separa é a vida.
Comentários