A forma como produzi esse texto foi um pouco inusitada, pois surgiu em decorrência da palavra excêntrico, termo que não remete em absoluto ao que me propus escrever. Mas, como esse outro que habita em nós chamado inconsciente nos envereda por caminhos que a própria razão desconhece, fui levada de uma coisa à outra e dessa a várias, de maneira que cheguei à palavra foracluído, excluído que está incluído do lado de fora, e assim desaguou na psicose.
Na psicanálise temos três estruturas psíquicas. São elas: neurótica, psicótica e perversa. E, para facilitar o entendimento, vamos considerar ainda que a realidade é subjetiva, logo, cada sujeito tem sua própria realidade, independente de qual seja sua estrutura psíquica.
Muito provavelmente ao ouvir o termo psicose a primeira coisa que passa na mente do leigo é alguém perigoso, capaz de matar a qualquer momento. Talvez essa imagem seja resquício dos filmes de Hitchcock. Entretanto, é importante lembrar que estamos falando em estrutura. Portanto, uma pessoa pode ter uma estrutura psicótica, mas nunca acontecer o desencadeamento, por exemplo, em uma paranoia ou esquizofrenia.
O termo psicose ordinária, cunhado por Miller, reporta-se aos quadros em que os sintomas são sutis, muitas vezes imperceptíveis aos olhares de fora das áreas da saúde mental e que faz com que os que os cercam imaginem tratar-se apenas de uma pessoa excêntrica, um tanto esquisita, “fora da curva”, digamos. Acredito que nesse ponto vocês entenderam porque a palavra excêntrico me levou nessa “viagem”.
Porém, será na psicose exuberante que veremos nitidamente o que estava dentro retornar no lado de fora sob a forma de delírio e alucinações. O delírio persecutório é o primeiro a ser notado, podendo vir seguido do delírio de amor (erotomania), do delírio de grandeza, do delírio de ciúme (sindrome de Otelo) e outros. As alucinações auditivas, visuais, táteis, olfativas e gustativas costumam ser posteriores aos delírios. Nelas, o sujeito poderá ouvir ruídos, gritos, sussuros, insultos direcionados a ele; poderá ver imagens isoladas ou mesmo um cenário completo; sensação de toque na pele ou dentro do corpo; sentir odores que não existem no ambiente; falsa percepções do paladar e etc.
Meu leitor deve estar se perguntando: por que o sujeito psicótico delira ou alucina? Acontece que na psicose a realidade é repleta de criações inconscientes que saem do sujeito e se projetam nos outros. O outro pode ser parente, vizinho, colega de trabalho ou alguém com quem “esbarra” na rua. Daí dizermos que o que está “foracluído” do lado de dentro, isto é, aquilo que ele inconscientemente põe para fora da sua mente retorna pelo lado de fora através desse outro, em forma de delírios e ou alucinações. É o retorno no real do que foi foracluído no simbólico. Assim, o que os neuróticos vivenciam nos sonhos, os psicóticos experimentam em plena luz do dia.
Analisando a constituição do delírio, no caso de esquizoparanoides, não é possível localizar devidamente o gozo no campo do Outro. Observa-se que o gozo retorna nas alucinações e nos fenômenos corporais. Já na paranoia, o gozo se concentra no Outro. No caso do delírio persecutório, por exemplo, é concentrado em um Outro perseguidor “que me odeia”. Na erotomania, crença delirante que alguém está apaixonado pela pessoa, concentra-se no “Outro que me ama”. No delírio de ciúme ou Síndrome de Otelo, o gozo se concentra no “Outro que me trai”. Nesse último caso, o sujeito apresenta ideias obsessivas, prevalentes e delirantes sobre infidelidade, passando a ter comportamentos controladores, tentativa de isolar o parceiro da convivência com amigos e parentes, procura continua e obsessiva por provas de que é traído, além de raiva e agressividade em relação ao parceiro. O ciúme no normal é diferente do que se apresenta no delirante. O delirante se exime de toda referência normal. Mesmo que estas sejam cada vez mais irreais ele lhes atribue caráter de certeza, articulando-as com abundância e riqueza, sendo justamente uma das características clínicas mais essenciais e consistentes. Mas é a presença da alucinação que nos permite atestar ter o sujeito uma estrutura psicótica. Ela é o retorno do Real do significante foracluído no simbólico.
É possível analisar o psicótico. O que não se pode é tratá-lo como um neurótico, exigindo dele a introdução aos valores sociais como trabalho, sucesso, dinheiro, eficiência, etc, muito menos tentar curá-lo. No tratamento de sujeitos com estrutura psicótica é imperativo que o analista tenha compreensão de que alucinações e delírios são tentativas de organização psíquica com o intuito de restaurar a apresentação do sujeito, acoplando um significante a ele. Entretanto, o tratamento psicanalítico não dispensa o uso de medicamentos para atenuação dos sintomas.
O objetivo na análise é restabelecer o vínculo com os laços sociais, retirando-o do gozo autístico, estimular o sujeito a identificar em suas alucinações as palavras ouvidas, bem como promover a pontuação em sua fala para possibilitar a aceleração do estabelecimento de sentido para os fenômenos.
Podemos concluir que no tratamento da psicose é primordial considerar que a questão do delirante não diz respeito à realidade, mas, à certeza. Mesmo quando ele se exprime no sentido de dizer que o que sente não é da ordem da realidade, isso não atinge a sua certeza. Essa certeza é radical. Aquilo que ele dá como certo, mesmo sendo de uma incrível ambiguidade, é algo inabalável para ele. Eis o que constitui o fenômeno elementar mais desenvolvido, ou seja, a crença delirante.
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