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Do ponto de vista de um realismo (digamos) realista – e por suas próprias condições –, as cidades imaginárias não deveriam ser consideradas nestas considerações. Não obstante, a partir de uma perspectiva literária e considerando que a literatura desvela mundos, ao inventá-los, as cidades imaginárias servem a um propósito político e existencial (toda existência é política, afinal), que é o de, por meio de um outro realismo – fantástico, eventual – serem consideradas em quaisquer considerações.

Nossa cidade, Belém do Grão-Pará, em suas dadas condições, precisa ser considerada em suas muitas impressões. Bem sabemos que não há uma única Belém, mas muitas. E sabemos, igualmente, que há um conflito de interpretações entre todas elas. A riqueza cultural dessa cidade está, também, nessa multiplicidade de interpretações sobre ela e sobre a sua experiência no tempo. Belém tem muitas faces e muitas identidades, tomando formas superpostas de cidade indígena, africana, ibérica, um pouco moura, um pouco sefardita, um pouco galega, um pouco europeia, um pouco libanesa, um pouco nipônica, e por aí afora. Ponto inicial da conquista da Amazônia e, de certa maneira, sua síntese, a cidade que foi capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão durante duzentos anos, é explorada e se prolifera nos seus imaginários. Poucas cidades na América Latina, penso, produzem tantos imaginários a respeito de si mesmas.

E isso demonstra, primeiramente, que a história é uma coisa feita mais pela linguagem do que pelos fatos. E, segundamente, que as identidades não são feitas por essências, mas por identificações.

Há, portanto, muitas formas de dizer Belém. Eu mesmo, por exemplo, penso-a de muitas maneiras. Tenho minha forma científica de pensá-la, por meio da sociologia da cultura que faço, como o pesquisador Fábio Fonseca de Castro, e, igualmente, tenho uma maneira literária de pensá-la, por meio da heteronomia de um certo Fábio Horácio-Castro, que me reproduz, ontologicamente, na clivagem de ver Belém, senão mesmo um pouco mais do mundo, por meio de imagens e imaginações dialéticas…

Explicando melhor, tudo o que quero dizer é que a literatura é uma das maneiras pelas quais tanto Belém, como a Amazônia – seu vasto espaço existencial – sempre, talvez melhor, foram pensadas.

Esta semana, no dia 17, próxima sexta-feira, vou lançar um livro que pensa literariamente essa cidade. Ele se chama “Apontamentos sobre a cidade imaginária de Belém” e está sendo publicado pela editora Patuá. É um livro de contos que se parecem com ensaios. O conflito narrativo entre o real e o imaginário está no cerne das suas histórias e, por isso, o realismo mágico atravessa o livro: bairros que mudam de lugar, bibliotecas enterradas, calígrafos sedutores, ventríloquos lascivos, duplos de seres humanos, poetas menores da Cabanagem, faculdades obscuras, testamentos políticos secretos…

Do ponto de vista narrativo, trata-se de um padrão de realismo fantástico que, talvez, possa ser compreendido como um ensaio ficcional – o que não deixa de provocar algumas confusões: a própria editora incluiu o livro, no seu site, na seção de “ensaios” e um dos seus primeiros leitores, professor de literatura, desavisado, me falou que iria iniciar uma campanha nacional pelo resgate da “poesia cabana”, tema de um dos contos.

Alguns dos textos foram escritos enquanto eu escrevia minha dissertação de mestrado, A Cidade Sebastiana, 30 anos atrás – um momento em que refletia, intensamente, sobre Belém. Naquele tempo eu escrevia esses contos para acalmar, na minha dissertação, a pulsão literária da sua narrativa. Pois, assim como A Cidade Sebastiana é um texto científico que dialogava com a narrativa ficcional, Apontamentos sobre a Cidade Imaginária de Belém é uma narrativa ficcional que dialoga com a ciência. De certa maneira, esse livro é um reencontro entre o escritor Fábio Horácio-Castro e o cientista social Fábio Fonseca de Castro.

A fundo, o que quero dizer, é que cidades são pensadas – e feitas – também, pela literatura. Por sinal, a literatura amazônica tem um papel central na compreensão e na interpretação da Amazônia. A própria Belém é muito mais Belém depois da obra de escritores como Eneida de Morais, Dalcídio Jurandir, Abguar Bastos, Max Martins, Edyr Augusto, Bruno de Menezes, Juvenal Tavares, Preto Michel, Sultana Levy Rosemblat, Lindanor Celina, Haroldo Maranhão, Tenreiro Aranha e tantos outros – aqui citados sem atenção à sua ordem cronológica…

Cidade imaginária? Talvez não. Talvez o imaginário esteja mais próximo do ensaio do que da literatura; da vida quotidiana de que da história.

Isto dito, em meio às homenagens ao aniversário de 409 anos de Belém, convido vocês a conhecerem meu novo livro. O lançamento vai ser no Sesc Ver-o-Peso, dia 17, próxima sexta-feira, às 19h. Mais informações também estão no meu site literário, fabiohoraciocastro.com.

Fábio Fonseca de Castro
Fábio Fonseca de Castro é professor da Unversidade Federal do Pará e atua nas áreas da sociologia da cultura e do desenvolvimento local. Como Fábio Horácio-Castro é autor do romance O Réptil Melancólico (Editora Record, 2021), prêmio Sesc de Literatura.

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