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O Tribunal de Avignon, no sul da França, proferiu nesta quinta-feira, 19 de dezembro, uma sentença histórica no julgamento de Dominique Pélicot e outros 50 acusados por crimes de violência sexual. Pélicot, que confessou ter drogado e violado sua então esposa, Gisèle Pélicot, ao longo de quase uma década, foi condenado a 20 anos de prisão — a pena máxima permitida na legislação francesa. O caso, que revelou um esquema asqueroso de abusos sistemáticos envolvendo dezenas de homens, tornou-se um marco no combate à violência sexual, principalmente pela coragem e posicionamento firme da vítima.

As investigações começaram em setembro de 2020, quando Pélicot foi flagrado filmando secretamente mulheres em um supermercado. A polícia, ao inspecionar seu celular, descobriu um acervo de mais de 20 mil imagens e vídeos documentando os abusos cometidos contra Gisèle, armazenados em pastas catalogadas com títulos como “abusos” e “os seus violadores”. Os registros levaram à identificação de 72 agressores, dos quais 50 foram indiciados.

Durante o julgamento, que durou mais de três meses, Pélicot admitiu ter drogado a esposa com tranquilizantes misturados à comida e bebida, deixando-a inconsciente para que ele e outros homens, recrutados pela internet, a violentassem. Em um dos casos, ele também ajudou um dos acusados a drogar e abusar da própria esposa. Apesar das evidências em vídeo, vários réus negaram as acusações ou alegaram desconhecimento da situação de não-consentimento.

O tribunal condenou os 51 acusados a penas que variaram de 3 a 20 anos de prisão, totalizando 428 anos de reclusão — bem menos do que os 652 anos pedidos pela Procuradoria. Alguns réus, devido a penas parciais ou cumprimentos prévios em prisão preventiva, foram liberados após o julgamento, o que gerou revolta entre familiares e ativistas feministas.

Pélicot, que cumprirá dois terços de sua pena sem possibilidade de liberdade condicional, terá sua situação avaliada após o término da sentença e será registrado no arquivo nacional de agressores sexuais da França. Sua advogada, Béatrice Zavarro, indicou que ele poderá recorrer da decisão, o que abriria um novo julgamento no Tribunal de Recurso de Nimes com júri popular.

Gisèle Pélicot, que acreditava viver um “bom casamento”, sensibilizou o mundo inteiro com seu posicionamento corajoso. Decidindo tornar o julgamento público e comparecendo com o rosto descoberto, Gisèle transformou-se em um símbolo de resistência e feminismo. O julgamento histórico quebrou tabus na sociedade e é definitivamente um ponto de virada na luta contra a cultura da violação.

Grupos feministas e em prol dos direitos humanos organizaram manifestações regulares durante o julgamento, pendurando faixas e exibindo mensagens de apoio a Gisèle. Antes do veredito, uma faixa com a inscrição “Obrigado Gisèle” foi estendida nas muralhas medievais de Avignon.

O caso não apenas revelou o alcance da violência sistemática sofrida por Gisèle, mas também provocou um intenso debate sobre a definição de consentimento na legislação francesa. Alguns réus tiveram a coragem de argumentar que o consentimento de Pélicot deveria ser considerado como válido para sua esposa, como se em pleno século XXI fosse minimamente plausível o marido ter o poder de decisão sobre o corpo de sua companheira. O crime evidenciou a necessidade de uma revisão das leis para incluir explicitamente o conceito de consentimento.

Este julgamento, considerado um divisor de águas na luta contra a violência sexual na França, evidenciou a urgência de combater a cultura da violação e proteger vítimas de crimes sexuais. Para Gisèle, ativistas feministas e muitos observadores, o processo judicial representou uma vitória parcial, mas deixou claro que há um longo caminho a percorrer na busca por justiça e equidade de gênero. A coragem de Gisèle, entretanto, permanece como uma poderosa mensagem de resistência, inspirando mudanças culturais e legais em direção a uma sociedade que não tolera a violência sexual.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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