Nos últimos dias, Portugal tem sido devastado por uma série de incêndios florestais que resultaram em uma tragédia sem precedentes. Desde domingo, sete pessoas perderam a vida e quarenta ficaram feridas, duas delas em estado grave. A situação é alarmante e agravada por temperaturas extremamente altas, principalmente nas regiões Norte e Centro do país, onde mais de cinquenta concelhos estão em alerta máximo. As imagens das chamas consumindo vastas áreas florestais são terriveis e, além das vítimas humanas, o impacto ambiental e econômico é enorme. A Autoestrada 1, que liga Lisboa ao Porto, esteve fechada na região de Aveiro por causa do fogo. O céu, no Porto, parece uma imagem hollywoodiana do apocalipse.
A Comissão Europeia enfatizou a importância de um financiamento adequado e de uma estratégia eficaz para lidar com desastres naturais. O comissário para a Gestão de Crises, Janez Lenarčič, expressou sua solidariedade às vítimas e suas famílias, reconhecendo que fenômenos meteorológicos extremos, que antes eram considerados raros, tornaram-se uma realidade recorrente. Ele ressaltou que a União Europeia deve melhorar sua capacidade de resposta a essas catástrofes, investindo em recursos e estratégias que possam mitigar os efeitos devastadores dos incêndios.
São dezenas de focos de incêndio em regiões como Albergaria-a-Velha, Oliveira de Azeméis e Vila Pouca de Aguiar. A situação atual é ainda mais rara do que a de 2017, quando o downburst (um fenômeno meteorológico caracterizado por uma corrente de ar extremamente forte que desce de uma nuvem e atinge o solo em alta velocidade, espalhando-se em todas as direções), aliado a uma seca extrema, agravou os incêndios que assolaram o país. Portugal nunca havia registrado valores meteorológicos tão elevados de perigo de incêndio em várias regiões, especialmente nos distritos de Aveiro e Viseu. Esse cenário é o resultado de um “coquetel” climático que combina uma onda de calor intensa, umidade extremamente baixa e fortes ventos vindos do leste. Além disso, a falta de chuvas durante o verão contribuiu para a secagem de uma grande quantidade de biomassa, transformando a vegetação em combustível pronto para alimentar as chamas.
Na segunda-feira, 16 de setembro, o brasileiro Carlos Eduardo Neves, de 28 anos, conhecido nas redes sociais como “Chantilly Papai”, morreu tragicamente em um incêndio florestal no município de Albergaria-a-Velha. Ele trabalhava para uma empresa de gestão florestal e perdeu a vida enquanto tentava resgatar equipamentos durante o avanço das chamas. O caso, confirmado pela Guarda Nacional Republicana (GNR), está sob investigação da Polícia Judiciária portuguesa. De acordo com informações da GNR, Carlos estava em uma área atingida pelo fogo juntamente com outros funcionários da empresa, quando se viu cercado pelas chamas ao tentar salvar o maquinário. “Ele foi sitiado pelo fogo junto às máquinas e não conseguiu escapar”, afirmou o comandante da Proteção Civil, André Fernandes, em coletiva de imprensa. O incêndio de Albergaria-a-Velha faz parte de uma série de cem focos ativos em Portugal, particularmente concentrados no distrito de Aveiro. As chamas já devastaram mais de 62 mil hectares de vegetação desde o início da semana. Mais de cinco mil e trezentos brigadistas, apoiados por mil veículos e trinta e quatro helicópteros, estão em campo para conter os incêndios, de acordo com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).
Carlos Eduardo havia deixado o Brasil há cinco anos, em busca de melhores oportunidades em Portugal, país onde morava e trabalhava em diversos empregos. No verão, ele se dedicava à venda de bolas de Berlim (aquele doce de padaria chamado de “sonho” no Brasil) nas praias da região de Aveiro, enquanto atuava em outras funções ao longo do ano. Nas redes sociais, mantinha o perfil “Chantilly Papai” e era conhecido por sua personalidade bem-humorada e sua paixão pela dança, música e pelas festas de Carnaval, tanto no Brasil quanto em Portugal. Carlos cultivava o sonho de construir uma vida melhor para sua família. No Brasil, ele deixou uma filha de um ano de idade, com quem sempre compartilhava fotos e vídeos expressando a saudade. Suas postagens mostravam o cotidiano vendendo doces na praia, uma rotina marcada pela alegria que transmitia a seus seguidores. A família de Carlos foi notificada pela polícia sobre seu falecimento, e seu corpo, encontrado carbonizado, foi encaminhado ao Instituto Nacional de Medicina Legal (IML) para autópsia. Até o momento, ainda não foi decidido se ele será sepultado no Brasil ou em Portugal. O Consulado do Brasil no Porto está está oferecendo suporte tanto jurídico quanto psicológico à família.
Além do impacto imediato sobre a vida das pessoas e a saúde pública, os incêndios florestais também têm repercussões econômicas significativas. A destruição de florestas e a perda de biodiversidade podem afetar setores como a agricultura, o turismo e a silvicultura, que são fundamentais para a economia portuguesa. A recuperação dessas áreas afetadas exigirá não apenas esforços de combate ao fogo, mas também um planejamento cuidadoso para a reabilitação ambiental e o suporte às comunidades afetadas. A sociedade civil está mobilizada e são inúmeras as iniciativas de solidariedade, com cidadãos se unindo para oferecer apoio às vítimas e às equipes de resgate e campanhas de doações, tanto para as pessoas e animais atingidos e resgatados quanto para os que trabalham no enfrentamento dos incêndios, que precisam de água e alimentação.
Os eurodeputados portugueses consideram solicitar a ativação do Fundo de Solidariedade Europeu para auxiliar na recuperação das áreas afetadas pelos incêndios em Portugal. Embora haja consenso quanto à importância dessa medida, os parlamentares reconhecem que é necessário aguardar o término das operações de combate ao fogo e a avaliação dos danos, para então recorrer aos fundos comunitários, se for possível. Nesta quarta-feira, o Parlamento Europeu discutirá os incêndios em Portugal e as inundações no centro da Europa. O debate tem como objetivo analisar que ações podem ser implementadas para preparar melhor os países diante desses cenários, que se tornam cada vez mais frequentes em um contexto de mudanças climáticas.
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