Estava lendo uma crônica de Rubem Alves que me marcou profundamente. Chama-se “doença”. A mensagem da crônica é um convite para fazermos amizade com a nossa doença. Parece estranho, mas é de uma profundidade sem tamanho. Rubem Alves foi um psicanalista muito sensível. As vezes recorro às crônicas dele para pensar em minhas aulas, como forma de alento e poesia para o ofício, aliás, ele também era pedagogo e pensava na educação. Como um bom psicanalista, ele fala do sentidos do sintoma. Explico, tal como os sonhos, nossos sintomas são repletos de significados. Para psicanálise, sintoma não se refere apenas a um mal-estar ou alteração no corpo orgânico, como conhecemos popularmente. Sintoma seria uma produção psíquica que aparece em nós por algum motivo que foi recalcado, por ser intolerável pra nossa consciência, em uma espécie de defesa. Por isso, na psicanálise valorizamos tanto a linguagem, dita e não dita pela boca. A psicanálise nos ensina que existe algo em nós que desconhecemos racionalmente e que nos interpela sempre. Sabe aquela coisa que você diz que não vai mais fazer e faz de novo, de novo, de novo? Pois é. Gozamos. Muitas vezes com a dor e sem entender desse gozo. Enfim, a “doença como metáfora” (título do livro de Susan Sontag) não é nenhuma novidade para quem estuda psicanálise , mas é interessante como mesmo em posse desse conhecimento, uma frase, uma palavra,dita em determinado momento parece fazer um sentido diferente.
A crônica do Rubem Alves fez isso comigo, ao ler sobre o convite em pensar na doença como amiga. Lia outro dia, sobre a importância do exercício após os 40 e fiquei pensando no que meu corpo está me convidando a olhar, entre hábitos, vícios e modos de me relacionar comigo. Então, ser amigo da doença é ouvir o que ela veio nos sinalizar. Sabe aquela amiga que tem a coragem de te dizer o que não quer ouvir? Escancarando algo que você recusa a ver? Óbvio que algumas doenças são produzidas pelos fatores externos, em tempos de agrotóxicos por exemplo. Nesse caso, apesar da limitação e violência que se impõe, ainda assim ela fala algo: você está comendo veneno. E pode nos levar a pensar, refletir sobre o modo que vivemos, a sociedade que temos, nossa relação com o meio e alimentos e, quem sabe, criar mecanismos de enfrentamentos e resistências.
Faço esta pontuação para sinalizar que não estou romantizando sofrimento, ignorando condições e contextos sociais, apenas estou localizando o grito do nosso corpo, que tanto insistimos em não ouvir. Vou dar exemplo pra vocês. Eu tenho uma doença autoimune que já ficou indetectável, mas foi só viver uma época de muito estresse profissional, que ela evoluiu que foi uma beleza. Os sentidos mais profundos fica pra análise (risos). De uns tempos pra cá, meu corpo voltou a gritar. Dores na articulação, cansaço, sobrepeso, gastrite. E na dificuldade que é driblar nosso gozo, sigo tentando encontrar um caminho, algum destino outro, pra algo que precisa ser feito em direção a vida. Estou tentando ouvir e ficar amiga da minha doença, ao invés de brigar com ela. Convido vocês a fazerem o mesmo. Obrigada, Rubem Alves.
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