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Em decisão que é um marco de vanguarda na história da
Justiça do Trabalho, a juíza Elinay Almeida Ferreira de Melo, da 7
a
 Vara do Trabalho de
Belém, concedeu liminar requerida pela
Procuradoria Regional do Trabalho da 8
a
Região e determinou que a empresa J. Sabino Filho & Cia. Ltda. se abstenha
de permitir ou tolerar a aproximação, o embarque e a permanência de menores de
18 anos de idade, em embarcações de transporte tanto de carga quanto de
passageiros, sob qualquer circunstância,
a exemplo de venda de produtos de qualquer
natureza, ainda que acompanhados dos responsáveis legais,
devendo
restringir o embarque apenas aos trabalhadores que prestam serviço à empresa,
devidamente contratados,
e aos passageiros, todos informados perante a
capitania dos portos competente, em documento próprio
. Em
caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, a multa será de R$
100 mil reais, por pessoa atingida, revertida a entidades filantrópicas idôneas
existentes no arquipélago do Marajó, indicadas pelo Ministério Público do
Trabalho. Já foi expedido o Mandado de
Cumprimento de Obrigação de Não Fazer e intimado o Ministério Público. A liminar histórica  em defesa da infância e da juventude vem se juntar à estratégia de combate ao trabalho escravo, que alcançou grande eficácia a partir da imposição de multas milionárias impostas pelo TRT8, em decisões pioneiras que serviram de modelo ao País.

Na ação civil pública contra J. Sabino Filho & Cia Ltda. o Ministério Público do Trabalho informa que
foi instaurado inquérito policial no qual restou apurada a ocorrência de
crianças e adolescentes em situação de risco (prostituição e trabalho infantil)
dentro das embarcações da empresa.

A
juíza Elinay Melo alicerçou sua liminar na ação inibitória contra a
possibilidade do ilícito, ainda que se trate de repetição ou continuação, “medida
absolutamente indispensável em um ordenamento que
se funda na dignidade da pessoa humana e que se empenha em realmente garantir –
e não apenas proclamar – a inviolabilidade dos direitos da personalidade
“.

E
citou o professor Luiz Guilherme Marinoni,
titular de Direito Processual Civil dos
cursos de graduação, mestrado e doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito
pela PUC-SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba e
ex-procurador da República
: “(…) Uma Constituição que se
baseia na “dignidade da pessoa humana” (art. 1o, III) e garante a
inviolabilidade dos direitos de personalidade (art. 5o, X) e o direito de acesso
à justiça diante de “ameaça de direito” (art. 5o, XXXV), exige a
estruturação de uma tutela jurisdicional capaz de garantir de forma adequada
e efetiva a inviolabilidade dos direitos não patrimoniais. O direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva – garantido pelo art. 5o, XXXV, da
CF – obviamente corresponde, no direito não patrimonial, ao direito a uma tutela
capaz de impedir a violação do direito.

A
juíza Elinay Melo observou que dados da Unicef apontam, em 2010, cerca de 250
mil crianças prostituídas no Brasil e que a exploração sexual infantil advém
de vários fatores, como situação de pobreza ou falta de assistência social e
psicológica, tornando as crianças vítimas do aliciamento por adultos que delas
abusam, realidade que afronta os Direitos Humanos.

Para
a magistrada, o fumus boni iuris (fumaça
do bom direito) emerge dos próprios documentos colacionados, que demonstram
robustamente a verossimilhança dos direitos vilipendiados que a ação coletiva
visa proteger: inquérito policial e as notificações, sem resposta, endereçadas
à empresa.

Da mesma forma, o periculum in mora está demonstrado não só pelo perigo de
retardamento da prestação jurisdicional, que como se sabe jamais será
instantânea, frente à própria natureza da atuação jurisdicional que demanda
tempo para colheita de provas, contraditório, recursos, impugnações, etc
.”,
 pontuou a juíza, acrescentando: “o que aqui se torna mais imperioso por se
tratar da concretização da proteção integral ao menor (crianças e
adolescentes), garantia constitucional estatuída na CF de 1988, na medida em
que a conduta omissiva da reclamada torna verrosímil os efeitos deletérios à
continuação e propagação de duas graves chagas sociais (prostituição e trabalho
infantil), exigindo ação firme e concreta do Estado-Juiz e do qual o particular
(no caso a reclamada) não deve se eximir
.”

A
decisão enfatiza, ainda, que o local onde trafegam as embarcações da J. Sabino
(o rio Tajapuru, no Marajó) é rota conhecida por tais práticas ilícitas, como
amplamente divulgado na mídia local. E cita matéria jornalística do Blog da
Franssinete Florenzano intitulada “O drama das meninas balseiras no Marajó.” Cliquem no link para ler.

A
magistrada assenta sua decisão,
“inclusive
porque, numa ponderação de princípios, a livre iniciativa esbarra na proteção
integral do menor, especialmente porque esta submete-se aos valores sociais do
trabalho e do interesse coletivo, claramente desrespeitados pela reclamada.”



O bispo do Marajó, Dom José Luiz Azcona, e a Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte II, que há décadas denunciam a exploração das crianças e adolescentes, principalmente na região marajoara, consideram a decisão judicial exemplar e confiam que, desse modo, finalmente haverá esperança de que a infância e adolescência sejam de fato e de direito protegidas.

Leiam aqui a íntegra da liminar, aqui
o mandado de cumprimento e aqui a certidão do oficial de justiça.





Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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