Publicado em: 10 de dezembro de 2016
Ontem foi o Dia Mundial Contra a Corrupção, e hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos, ambos promovidos pelas Nações Unidas. Com muita propriedade, o Papa Francisco frisou que os direitos humanos e a corrupção estão “estreitamente ligados”. Sim. E para nós, brasileiros, esta constatação é especialmente amarga e verdadeira. Os que ocupavam os cargos de representação maior da sociedade roubaram a nação, e agora querem impingir sacrifício atroz justamente aos que foram lesados, pespegar a conta do buraco causado pelos ladravazes na economia nacional. Onde ficam a justiça, a paz social, o respeito à dignidade humana e a consciência cidadã?!
A administração pública exerce papel fundamental para preservação do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Dela depende a concretização de direitos sociais fundamentais, como saúde, educação, alimentação, trabalho, habitação, lazer, segurança publica, enfim, direitos essenciais para a própria sobrevivência humana, cuja concretização é incompatível com uma administração desonesta e negligente.
Uma administração proba parece ser utopia, vez que a população brasileira testemunha, estarrecida, escândalos infindáveis de corrupção envolvendo agentes públicos e políticos de diversos escalões, que capturaram o Estado fazendo com que ele funcionasse a seu favor, cavando ainda mais o abismo social, exterminando direitos essenciais da população, deixando o Brasil numa triste posição no cenário mundial: de um País com um dos mais altos índices de desigualdade social, com diversas regiões entre aquelas com o menor índice de desenvolvimento humano do planeta.
Os direitos sociais englobam, de um lado, o direito ao trabalho e os diferentes direitos do trabalhador assalariado; de outro, o direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), o direito à educação; e, de modo geral, como se diz no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (art. 11), o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida.
Não há como aceitar passivamente esse quadro de desolação, de descaso com a coisa pública. É preciso, mais do que prender os malfeitores, que eles devolvam até o último centavo da rapinagem.
Por outro lado, as políticas públicas são sensivelmente atingidas pela evasão fiscal, que consubstancia uma das facetas da corrupção. Com a diminuição da receita tributária, em especial daquela originária das classes mais abastadas, diminui a redistribuição de renda às classes menos favorecidas e aumenta a injustiça social. Esse quadro ainda serve de elemento limitador à ajuda internacional, pois é um claro indicador de que os fundos públicos não chegam a beneficiar aqueles aos quais se destinam, o que agrava ainda mais a situação econômica do País. Tal ciclo conduz a uma relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo. Quanto maiores os índices de corrupção, menores as políticas públicas de implementação dos direitos sociais.
É certo que os recursos estatais são limitados, mas essa precariedade aumenta na medida em que os recursos são utilizados para fins ilícitos. Fulminam direitos, e assim a corrupção vence a esperança.
Não é à toa que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, dispõe em seu art. 15 que “a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela administração”.
Os atos de corrupção praticados por agentes públicos criam verdadeiro paradoxo, acabam por transformar o Estado em inimigo justamente daquele que representa e ao qual deve proteger: o povo, provocando a segregação das pessoas, que são privadas de seus mínimos direitos. Na medida em que os recursos públicos são desviados para propinas, extorsão de servidores, fraudes, compra de consciências, liberação acelerada de verbas, ganho em licitações e sonegação, o lesado não é o governo, mas o ser humano.
Os atos de corrupção praticados por agentes públicos criam verdadeiro paradoxo, acabam por transformar o Estado em inimigo justamente daquele que representa e ao qual deve proteger: o povo, provocando a segregação das pessoas, que são privadas de seus mínimos direitos. Na medida em que os recursos públicos são desviados para propinas, extorsão de servidores, fraudes, compra de consciências, liberação acelerada de verbas, ganho em licitações e sonegação, o lesado não é o governo, mas o ser humano.
A corrupção pública é fenômeno antigo, que já encontrava previsão na Lei das XII Tábuas.
Padre Antônio Vieira, em lapidar observação que continua assombrosamente atual, já asseverava:
“Não são ladrões só os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.
“Não são ladrões só os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.
Não se preocupam com a falta de vagas nas escolas, com as condições do ensino público, com a precariedade dos hospitais, com os doentes nas filas e corredores dos hospitais, com o descrédito das instituições, com a inanição de milhares de brasileiros, com a segurança pública. O que se vê, em suma, é uma crise ética, moral e cívica, além de econômica e política.
Uma postura indecente campeia em nosso País.
Mas o povo brasileiro não é corrupto, é formado por cidadãos de bem, homens e mulheres de fibra, que lutam pela sobrevivência em um país marcado por extrema desigualdade.
O grande Rui Barbosa, em lição atualíssima, disse:
“O Brasil não é ‘isso’. É ‘isso”. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta Assembleia. O Brasil é este comício imenso, de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não sãos os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano”.
“O Brasil não é ‘isso’. É ‘isso”. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta Assembleia. O Brasil é este comício imenso, de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não sãos os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano”.
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