Publicado em: 15 de junho de 2017
Eis que de novo hoje fui parar na emergência do Hospital Adventista de Belém. O diagnóstico agora é rinossinusite. Nem vou descrever o meu profundo mal-estar que já dura uma semana, apesar dos trocentos remédios. Poupo os detalhes, vocês imaginam muito bem.
Ao ser chamada pelo nome através de um vídeo, já entrando no consultório, ouvi um dos pacientes que esperavam comentar “essa deve ser de Oriximiná, Óbidos ou Santarém”. Obviamente, a minha dor superou a curiosidade e sequer me voltei para ver de quem se tratava. Mas, quando fui tomar a medicação injetável, um simpático senhor se apresentou, dizendo ser “caboclo de Juruti”. A empatia foi imediata e logo ele estava me contando a sua saga, vindo aos 9 aninhos de idade para estudar em Belém, morando na casa de um tio.
O enredo é bem comum a gerações de interioranos parauaras – como eu – que tiveram que deixar suas famílias (vim aos 17 de Santarém, minha terra natal) para dar continuidade aos estudos. Numa época em que as faculdades particulares não proliferavam feito ratos, Belém era uma espécie de terra da promissão.
Com o linguajar típico da região Oeste do Pará, que agrega teatralidade e musicalidade no rico gesticular, o meu novo amigo de Juruti lembrou que, ao mesmo tempo em que a turma interiorana chegada na capital vivia situações humilhantes por conta da pobreza, também se afirmava no seio social por gostar de estudar. E tanto assim que viu, há pouco tempo, sozinho em um ponto de ônibus, com aparência de abandono, um dos rapazes ricos que na juventude se comprazia em achincalhar a sua figura. Quis falar com ele mas, temeroso de que achasse ser um ato de vingança, se absteve do cumprimento.
O senhorzinho de Juruti, aonde não vai há 40 anos, ainda gosta de recordar os nomes das famílias que lá habitavam, conhece os sobrenomes das redondezas, sabe quem subiu na vida e quem decaiu, as fortunas que se dissiparam e as que foram construídas. E histórias do arco da velha que dariam bons livros ou filmes de aventura.
Triste é saber que, ainda hoje, os estudantes continuam, tal qual aves de arribação, a procurar rumos através da educação enfrentando toda sorte de desafios. Rapazes e moças que fazem diariamente percurso intermunicipal e outros que ficam sem ver por longo tempo seus entes queridos, meninos e meninas que vão para a escola remando em canoas nas localidades de difícil acesso, e outros tantos que são tirados das salas na mais tenra idade e recrutados pelo tráfico, e trilham a senda da violência, e são a parte mais robusta das estatísticas criminais.
Até quando?
Comentários