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Há 179 anos, o primeiro ataque dos Cabanos aconteceu ainda na noite dia 6 de janeiro
de 1835. O povo de Belém festejava ao luar o Dia de Reis. Autoridades portuguesas e
famílias poderosas brindavam na noite de gala do Teatro da Providência, que se
localizava na Praça das Mercês, diante da Igreja. À saída do teatro, o
presidente da província, Bernardo
Lobo de Souza
, foi
para a casa da amante. Demorou a perceber o caos na cidade. Esgueirando-se
pelos quintais, de casa em casa, conseguiu ficar escondido até o início do
outro dia. Quando saiu à rua, foi morto à bala por um índio tapuio.
A Revolta dos Cabanos ou Cabanagem ocorreu na Província do Grão-Pará,
que compreendia o Amazonas e o Pará, entre 1835 e 1840. Cabano era o nome dado
aos que habitavam as casas miseráveis às margens dos rios da região. Formavam
uma massa de marginalizados que deu à Cabanagem o caráter mais popular de todas
as rebeliões nas províncias brasileiras no período regencial (1831-1840). A
diversidade étnica dos revoltosos era tamanha que surpreendeu os soldados
aliados à Regência: indígenas, negros escravos e libertos, mamelucos, cafuzos,
mulatos e mestiços estavam unidos a comerciantes, fazendeiros e intelectuais excluídos
das decisões na província.
Parecia a Queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, em
1789.
Desde 1822, as agitações em torno da Independência atingiam a região,
que mantinha poucos vínculos com o Rio de Janeiro e era muito influenciada por
Lisboa. Tanto que o Pará só aderiu à Independência com um ano de atraso, em
agosto de 1823, e ainda assim após a interferência do poder imperial com o
envio de tropas comandadas pelo inglês Grenfell. Desde então, o governo central
enfrentava oposição radical da população local, que contestava e desafiava as
autoridades provinciais nomeadas.
Os conflitos tinham se agravado com a instabilidade política gerada pela
abdicação de D. Pedro I e a instalação da Regência, até estourar o movimento
armado, em 1835, a princípio controlado por seus líderes, entre os quais Eduardo
Angelim, Clemente Malcher, o cônego Batista de Campos e os irmãos Manuel e
Francisco Vinagre.
Os cabanos dominaram Belém durante dez meses. Ao todo, três líderes
rebeldes presidiram o Pará. Já na primeira gestão, uma moeda antiga passou a
ser reutilizada e só valia na província. Mas o movimento se perdeu em meio a desavenças
internas e desorientação política. Cabanos
se apropriaram de casas de famílias portuguesas ou ligadas ao antigo regime. O
porte de armas entre eles foi legalizado.
Intrigas e traições entre os líderes do movimento causaram tanto
prejuízo quanto as tropas inimigas. O primeiro presidente indicado, Félix Malcher,
simpático ao Império, foi chamado de traidor e assassinado em meio à disputa de
poder com o comandante de armas, Antônio Vinagre.
A situação de Belém foi se tornando insustentável. Destruída pelos
combates, grassavam epidemias de varíola, cólera e beribéri. A população
passava fome. O poder central enviou reforços militares e navais, com apoio
inglês. Logo no primeiro contra-ataque do governo provocou, os cabanos tiveram
que fugir. A ofensiva teve a ajuda do presidente Francisco
Vinagre
. Os cabanos debandaram
e mantiveram resistência no interior, numa tática guerrilheira, mas foram
massacrados. Povoados inteiros foram esmagados e sua população exterminada. Ao
final, 40% da população da província havia sido morta. A tragédia em números:
40 mil mortos em três anos de combates numa província com uma população de
cerca de 100 mil habitantes.
O último presidente cabano, Eduardo Angelim, foi derrotado pela esquadra do
brigadeiro Francisco José Soares de Andrea. A caça aos cabanos continuou até
1840. A tortura era comum. No fim da revolta, Belém só tinha, praticamente,
mulheres, crianças e idosos. Muitas mulheres foram violentadas, do lado cabano e das famílias
ligadas à Regência.
Em 1840 a província foi considerada “pacificada”.
7
de janeiro de 1835 é a data que marca a tomada de Belém pelos cabanos. Já em 13
de maio de 1836 as tropas legalistas fizeram sua festa, comemoravam o começo do
fim da Cabanagem. Até o primeiro grande jornal regular do Pará não por acaso
foi nomeado Treze de Maio, era o jornal da legalidade. E em 1888 – antes da Lei
Áurea – foi criada a Liga Redentora, que propunha que a abolição da escravidão
em Belém fosse marcada para o dia 13 de maio. Essa data segundo a autora
significava a alforria dos “honrados” cidadãos paraenses sobre os “amotinados”
e “desordeiros” homens de 1835 e seus precursores.
Domingos
Antônio Raiol e Antônio Ladislau Monteiro Baena foram pioneiros e hoje são
clássicos da historiografia cabana. Para Raiol, os fatos que ocorreram no Pará
configuram-se como “motins políticos”. Por isso 7 de setembro seria um dia
fúnebre e não de comemoração. O autor reconstruía a história paraense desse
período como motins desencadeados pelo Rio de Janeiro e que só seriam
compreendidos no contexto da abdicação e da Regência. Em 1923 veio uma
reinterpretação, e o 7 de janeiro voltou à tona.

Segundo Caio Prado Jr., a Cabanagem foi “o mais notável movimento
popular do Brasil (…) o único em que as camadas mais inferiores da população
conseguem o poder de toda uma província com certa estabilidade”.


Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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