Eu soube pelo Felipe Proença, amigo de longa data, que em maio vindouro será comemorado o centenário de nascimento do seu avô paterno, o grande Edyr Proença, e que por conta disso já foram criados um site (www.edyrproenca.com.br) e uma página no Instagram (@edyrproenca) com dados biográficos, informações curriculares, fatos históricos, depoimentos e muito mais. Há inclusive um selo oficial alusivo ao evento.
Curioso, fui bisbilhotar vida e obra do Seu Edyr, como passarei a chamá-lo, e de pronto vi que nasceu em 19 de maio de 1920, há quase 103 anos. Alguns desavisados vão concluir, portanto, que a efeméride se realiza tardiamente, eis que deveria ter ocorrido em 2020; outros incautos imputarão à maldita pandemia a culpa pelo atraso na celebração. Todos estão errados, e eu explico a razão: Seu Edyr foi tão importante para esta terra e seu legado é tão vasto que a alegria do seu centenário não coube em 100 anos; foram necessários uns poucos a mais para acomodar os muitos feitos do letrista, advogado, bancário, atleta de basquetebol, jornalista, cronista, radialista, esposo, pai e avô.
Uma pequena e modesta crônica como essa não seria suficiente para falar do Seu Edyr, da sua importância para a imprensa paraense, sobretudo para o rádio, mais ainda para o rádio esportivo, onde destacou-se, entre outras ações, pela primeira narração ao vivo de uma final de Copa do Mundo, em 1950, e pela profícua atuação na Rádio Clube do Pará, onde criou o inesquecível slogan “a voz que fala e canta para a planície e para o planeta”. Não seria suficiente, também, para tratar da sua passagem pela imprensa escrita, como redator de vários jornais paraenses, tais como A Vanguarda, Folha do Norte, Flash, O Liberal e A Província do Pará.
De igual modo, não haveria espaço para anotar as conquistas do Seu Edyr no futebol, esporte que incentivou e fomentou tanto, com incansável disposição e inexcedível talento, que em reconhecimento seu nome batiza a principal praça de esportes do Estado do Pará: o antigo Mangueirão, Colosso do Bengui, oficialmente Estádio Olímpico do Pará Edyr Proença.
Mais que isso tudo, num apertado e singelo texto como esse não seria possível abordar a vida do homem, marido e pai, pois nessa seara o Seu Edyr se destacou ainda mais. Basta ver a qualidade da prole que criou com a memorável Professora Celeste Camarão Proença, uma gente séria, proba e simpática a reunir uma miríade de talentos jornalísticos, publicitários, empresariais, gastronômicos, teatrais e literários. Para o bem da família, dos amigos e, em especial, desta sofrida cidade, em Janjo, Edyr Augusto, Edgar Augusto e Ana Carolina são perpetuadas com louvor as heranças do Seu Edyr e da Professora Celeste.
De uma coisa, contudo, essa pequena e modesta crônica, esse apertado e singelo texto, pode falar, mesmo em poucas linhas. Trata-se da minha eterna gratidão ao Seu Edyr, a quem devo algo muito importante, mesmo sem ter tido a honra de conhecê-lo pessoalmente. Eu devo ao Seu Edyr algo que jamais conseguirei retribuir, ainda que agradeça a ele e à sua memória todos os dias. Eu devo ao Seu Edyr, confesso, grande parte do amor que ainda sinto por Santa Maria de Belém do Grão-Pará.
Ainda que essa cidade nos maltrate tanto; ainda que não nos forneça serviços públicos minimamente decentes em retribuição aos impostos que pagamos; ainda que nos ameace diariamente com seus alarmantes índices de violência; ainda que nos enlouqueça com seu trânsito caótico e seus intermináveis alagamentos; ainda que esteja suja e em ruínas; ainda que nos propicie tão poucas oportunidades de lazer, esporte e cultura; ainda que esteja parada no tempo há pelo menos três décadas; ainda que isso tudo seja uma triste realidade a nos causar mais saudade da Belém de outrora do que expectativas pela Belém do futuro, é preciso lembrar que nela já existiu algo tão raro, tão belo e tão inspirador a ponto de ter feito o Seu Edyr sentar-se ao lado da cunhada Adalcinda Camarão, numa tarde qualquer dos idos anos 50, para criarem juntos o mais belo poema de amor que a genialidade humana já dedicou a uma cidade: Bom dia Belém!
Ler e ouvir esse poema musicado deveria ser a primeira tarefa do dia em todas as escolas de Belém. Certamente seria outra a relação das crianças e dos jovens com a sua cidade. Ler e ouvir esse poema musicado deveria ser a primeira tarefa do dia em todos os lares de Belém. Certamente seria outra a relação das famílias e dos adultos com a sua cidade. Esse exercício de amor incondicional nos possibilitaria descobrir tudo aquilo que a cidade hoje nos esconde, mas que não conseguiu ocultar dos olhos privilegiados do Seu Edyr, e com isso talvez conseguíssemos restabelecer uma reciprocidade de bons sentimentos em nossa conexão com Belém.
Nós vivemos na cidade, Seu Edyr a namorava. Não tenho dúvidas de que recebeu dela bem mais do que nós temos recebido, mas fez por merecer.
Reencontremos em nossos peitos as saudades azuis do céu da nossa terra, acordando ao som dos respingos de ausência e orvalho que passaram a noite luando os telhados que a chuva cantou. Reconheçamos a sabedoria mais sábia que toda a ciência da terra para então encontrar a dona do amor que queremos dar, habitada por nosso povo, nosso rio, nossos peixes e tambatajás, nas tardes descalças de sonos suados, a ouvir as cantigas e anúncios que o vento nos traz.
Lavemos o pranto dos nossos rios na terra que é nossa casa, por onde anda a saudade da nossa infância, por onde navegam nossos barcos de vela azulada, que vão de panada sumindo sem dó. Sejamos parte do nosso chão ensolarado, de janeiro a janeiro a suar, para que nunca nos faltem o Círio da Virgem e a chuva das duas, para que sempre possamos abanar o leque de estrelas que nos cobre, mesmo que estejamos distantes, sem sol, sem lua e cobertos de neve.Seu Edyr passou a vida a nos ensinar esse amor. Já é hora, na altura em que completa 103 anos, de aprendermos.
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