Publicado em: 18 de dezembro de 2025
A primeira igreja a instalar ar-condicionados, no Brasil e no mundo, foi a de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Isso ocorreu no ano de 1965, sob ordens de frei Leovigildo Balestieri – conhecido como “o padre de Ipanema” – que dizia, segundo Ruy Castro, que “quem gosta de calor é o demônio, no inferno”. Além disso ele dizia, também, que o movimento das pessoas se abanando com leques e jornais dobrados, “estragava a estética da missa”.
O “padre de Ipanema” mostrara ao que viera desde que se instalara na paróquia, aos 29 anos de idade, em 1939. Construiu, ao longo dos anos, um sistema de apoio social que incluía da clínica geral à ginecologia – esta especialidade para o escândalo de muitos; passando por um inovador serviço de radiografia e abreugrafia popular. E, também, foi o padre que inventou a “missa Iê-iê-iê”, ao som de bateria e guitarras, o que encheu a igreja de jovens.
Empreendedor, criou vários serviços para financiar suas obras sociais: fundou um cinema, o Cine Pax, um boliche, um teatro de arena e um ringue de patinação, o Gelorama. Mais tarde, investiu em atividades de hotelaria, turismo e exportação. Comprou quotas acionárias do Canecão – a famosa casa de shows do Rio de Janeiro – e, numa arriscada operação de mercado, na bolsa de valores do Rio, e para o escândalo dos capitalistas de plantão, tomou o controle, em 1973, da Libra, uma trade company famosa e importante no país.
Ah, e também foi ele quem comprovou que o paraense Josef Guerreiro não estava morto, apenas bêbado e dormindo na grama da praça, apesar da desconfiança das velhinhas que vinham para a missa das 5h00 da matina e que lá o encontraram, fazendo a caridade de acender uma dúzia velas ao redor do “pobre moço”, para encomendar sua alma.
E com uma história leva à outra, lembremos de Josef Guerreiro. Nascido em Belém, em 1928, foi um ator paraense da geração de Sérgio Cardoso, outro paraense tão genial quanto ele. Na verdade, nos anos 1950 as pessoas do mundo do teatro e da mídia debatiam para saber qual dos dois paraenses era o “melhor ator do Brasil”. Sérgio Cardoso fez uma carreira bem conhecida no teatro e se tornou uma estrela das novelas da TV Tupi, na década de 1960, mas faleceu repentinamente, aos 47 anos de idade, em 1979. Josef Guerreiro despontou em 1948, no Teatro Brasileiro de Comédia, quando Ziembinksy deu-lhe o papel do Cego, em O Anjo Negro, de Nélson Rodrigues. Participou, igualmente de muitos filmes. Mas tinha um grande problema de dependência química, em relação ao álcool, que o levou a ciclos de interrupção da carreira.
Porém, naquela manhã em que o padre Leovigildo Balestieri percebeu que ele, o Josef, estava vivo. Jogou nele um balde de água gelada e Josef levou um baita susto ao ser ver dormindo na praça, cercado de velas encomendando sua alma.
Mas, retornando à igreja de N.S. da Paz, também se pode também dizer que foi um ano de certas mudanças no mundo, não necessariamente análogas às inovações do padre Leovigildo Balestieri. Foi o ano do assassinato de Malcom X e da entrada dos EUA na Guerra do Vietnã. Foi o ano que que deixaram este mundo T. S, Eliott, William Somerset Maughan, Churchill, Nat King Cole, o arquiteto Le Corbusier, Stam Laurel (o “magro”, da dupla “o Goro e o Margo”) e, naturalmente, Malcom X. Ah, e foi o ano do lançamento do sexto álbum dos Beatles, Rubber Soul, que inovou o rock com o “efeito buzz”, obtido por meio do pedal das guitarras elétricas. Nesse álbum, dentre outras preciosidades, havia “Drive My Car”, “Nowhere Man” e, sobretudo, “Michelle”, canção que minha mãe gostava muito, mas que meu pai, superficialmente, considerava “superficial”, embora tratasse minha mãe por “Ma belle” (a referência está na canção, é claro) – e isso porque o preceito musical, do momento, era a Bossa Nova e a ideia de uma “música brasileira”. Por sinal, em 1965, a 30 de setembro, meus pais ficaram noivos e marcaram seu casamento para daí a um ano e meio. A data foi escolhida porque se tratava da data de início de namoro de meus avós paternos, o velho (embora não nesse momento) Oscar Castro e a velha (embora não nesse momento) Maria Vera Horácio, ocorrido no passeio público da praia do Areião, na ilha do Mosqueiro e, igualmente, de seu casamento, quase trinta anos, entreatos, mais tarde.
As datas, sempre elas… 1965 foi, também, o ano de 2718 ab urbe condita ou seja, igualente o ano dessa referênia datal, contado a partir da fundação de Roma, em 753 a.C. A expresão latina é uma maneira “alternativa”, não necessariamente decolonial, de contar o tempo. É uma expressão latina que significa “desde a fundação da cidade” – de Roma, naturalmente. Eu, por exemplo, nasci em 2721 ab urbe condita e , hoje, estamos no ano de 2778 ab urbe condita. Nós, romanos, no entendemos… mas tudo isso são apenas, evidentemente, detalhes.
E, apesar desse entendimento, eu, naturalmente ainda estava por nascer. Isso ocorreria somente três anos mais tarde, ab 352 Belemine condita…
Sem desejá-lo referir, e buscando assunto, acabo de recordar que o nome do Cego, na peça O Anjo Negro, de Nélson Rodrigues, papel representado por Josef Guerreiro, chamava-se Elias, ou Eliel. Nome de anjo. A peça foi escrita em 1946 e estreou em 1948.
Ismael (o pai, nome de anjo, igualmente) e Virgínia, na trama, lamentavam a morte de seu terceiro filho (terceiro, trindade…), quando aparece Elias (Eliel), um homem branco e cego, que é impedido de entrar no funeral. Ele revela a Virgínia que Ismael nunca aceitara ter um irmão branco e que fora, ele, o causador da sua cegueira, quando eram meninos.
Depois de uma série de confissões, Elias e Virgínia transam, o que desencadeia uma sequência de revelações e de problemas que metaforizam o preconceito racial e o preconceito contra os portadores de deficiências físicas, no Brasil. Nélson Rodrigues foi, provavelmente um dos maiores profetas brasileiros. Ele falava sobre isso, sobre tudo isso, nos anos 1940 (e tem gente, hoje, acreditando que a decolonialidade, mesmo vinda de um autodito e autoreivindicado “conservador”, é uma novidade crítica…).
Bom, desculpem, de todo modo a mistura de tantas referências. Uma história que leva à outra – e minha escrita – é tipo o rock doido de Belém…






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