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Pego o gancho do título da música de Bob Dylan, que vem aí em uma cinebiografia muito elogiada. Já ouvi a trilha e o ator, Timothy, imita muito bem. Atualmente, Dylan, que tem a Never ending tour, está com a voz cada vez mais roufenha e diverte-se em interpretar seus clássicos em arranjos e harmonias que confundem a todos. Problema dele. O que fiquei a pensar é como os costumes naturalmente mudam ao longo da vida. Claro que cada geração vive à sua maneira e é preciso respeitar. Pensei em Mosqueiro, meu paraíso, em que fui desde bem criança. Em determinado momento, julho, férias escolares, a ilha era tomada por uma multidão e tudo acontecia. Aos poucos, a maioria foi mudando para Salinas, ainda hoje bem celebrada. Antigamente, ia-se a Mosqueiro de navio, depois de carro, em trajetos de 50 minutos, no máximo. À Salinas, duas horas pela estrada. Hoje, com o trânsito e a falta de visão das autoridades, o tempo dobrou e em alguns momentos, quadruplicou. Bom, há quem vá de avião. E em dezembro, janeiro e fevereiro? Mudou muito. A classe média estudantil ia para o Rio de Janeiro, fetiche de muitos. Famílias inteiras encontravam-se na praia, fazendo de Copacabana e Ipanema uma nova Murubira ou Atalaia. Iam e levavam junto seu mundo. Algumas meninas voltavam exercitando o sotaque mole dos cariooocas, para irritação de quem ficava. Um casal em um restaurante no Leblon. Ela demora a escolher e ele diz ao garçom que tenha paciência porque ela não era de lá e sim, de Belém. Namoro encerrado. Ultraje. Encontravam-se nos shows, boates e praia. Eram três meses para os bons alunos, e os que ficavam de segunda época, amargavam castigo. E o vestibular? Aconteciam em janeiro as provas. Ainda havia apenas a Ufpa. As emissoras de rádio faziam programas e no dia do resultado, obtinham as maiores audiências entre as famílias dos inscritos. Os bem sucedidos, rapazes, corriam aos barbeiros para raspar a cabeça e desfilar orgulhosamente pelas ruas seu êxito. Outros, malandros, nem tinham feito prova nenhuma, mas também saíam de cabeça raspada, para conquistar mais rápido meninas interessadas. Alguns usavam boinas que de acordo com o curso, mudavam de cor. No ano em que passei, primeiro dia de aula no campus do Guamá, descobriram um rapaz que não havia cortado o cabelo. Uma multidão correu atrás dele que se refugiou na Prefeitura do Campus, onde sentado em uma cadeira, teve os cabelos cortados por uma grande fila de inconformados. Também tínhamos medo do trote dos veteranos. Houve quem fugiu de barco até o Iate Clube, com medo. Era uma cidade menor, com seus costumes. E o carnaval? Andava meio fraco, até que o Quem São Eles, com a ajuda de intelectuais da cidade, abriu uma sede no Umarizal, antes de se tornar um dos bairros mais ricos, e montou um desfile para homenagear Eneida de Moraes. No ano seguinte, o Rancho reagiu e veio também para a disputa, que ainda era na Presidente Vargas, após ter sido no Boulevard Castilhos França. Chegaram a dizer que era o segundo maior carnaval do Brasil. Se acabou. Não posso esquecer do carnaval de salão. Os clubes e suas festas tradicionais. Eram maravilhosas. Dançavam a noite inteira ao som de marchinhas, frevos e sambas. Um trajeto circular pelo salão, tendo em volta rapazes com olhos de rapina, mas sem coragem de abordar as meninas desacompanhadas. Tenho muita saudade desse tempo. Muito mais que isso, um grupo de jovens resolveu sair aos domingos, antes de momo, com pareôs, e o nome Bloco da Bandalheira. Bastou desfilar uma vez pelas ruas do centro para movimentar a cidade. Adiante, também na Presidente Vargas e Praça da República, diversos blocos formados em bairros ou vizinhanças, desfilavam enchendo os corredores com alegria. Ficava tudo lotado. Pena que tenha acabado. No caso das Escolas de Samba, vaidades e política. No caso dos blocos, alguém inventou que o desfile seria competitivo, junto com as Escolas. Pronto. Acabou em discussão e pior, acabou tudo. A essa altura, desfilavam na Doca de Souza Franco. O assunto rende, mas aqui lembramos costumes da cidade no início do ano. Logo as escolas e Ufpa marcavam retorno às aulas e vinham novas aventuras. Não vou dizer que antes era melhor. Cada geração faz seu tempo. Hoje não vejo muita graça. Chegamos ao ápice de realizar desfiles de Escolas de Samba uma semana antes do carnaval. Confissão de incompetência. Pena. Saudades.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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