Uma pesquisa publicada na revista Astronomy & Astrophysics apresenta uma nova teoria sobre a origem da água na Terra, que desafia o modelo tradicional de bombardeamento de asteroides e cometas nos primeiros cem milhões de anos do planeta. Liderado pelo astrofísico Quentin Kral, do Observatório Paris-Meudon PSL, o estudo propõe que a Terra tenha capturado vapor de água diretamente de um disco de gás formado na antiga cintura de asteroides entre Marte e Júpiter.
De acordo com a teoria dominante, a água teria chegado à Terra em seus primeiros milhões de anos por meio do impacto de asteroides e cometas vindos de fora do sistema solar. Essa visão pressupõe um processo caótico, comparado por Kral a um “jogo de bilhar gravitacional”, onde corpos celestes colidiam com o planeta jovem, trazendo água e outros compostos voláteis.
No entanto, essa teoria levanta questões, principalmente sobre a quantidade de água necessária para formar os vastos oceanos da Terra. Isso motivou a busca por explicações alternativas.
No modelo proposto pela equipe de Quentin Kral, a Terra teria capturado água de forma mais gradual e direta. Há cerca de 4,6 bilhões de anos, durante a formação do sistema solar, a antiga cintura de asteroides era significativamente mais massiva e continha grandes quantidades de gelo. Sob o efeito do calor do jovem Sol, esse gelo foi sublimado, criando um disco de vapor de água que se espalhou pelo sistema solar.
Conforme a Terra esfriava, o planeta teria capturado gradualmente esse vapor de água, acumulando-o em sua superfície sob a forma líquida. Este processo é mais simples e menos aleatório, tornando o cenário mais aplicável não apenas à Terra, mas também a outros planetas rochosos como Marte e Mercúrio, e até à Lua.
A nova teoria encontra respaldo em diversas evidências científicas, como a identificação de vestígios de gelo e água em minerais hidratados na Terra e em amostras do asteroide Ryugu, coletadas pela missão japonesa Hayabusa2. Além disso, observações realizadas pelo radiotelescópio ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) detectaram discos de gás, incluindo água e outros compostos, em sistemas estelares jovens, como o HD 69830, que apresenta uma cintura de asteroides rica em água gelada. Complementando essas descobertas, o modelo teórico desenvolvido por Quentin Kral e sua equipe demonstra que o mecanismo de captura de vapor de água é viável tanto em cinturas de asteroides massivas quanto em versões menos densas, desde que atuem por períodos mais longos.
Embora inovadora, a teoria não surgiu “do nada”. Ela foi construída com base em uma década de observações e avanços em tecnologia de detecção de gás e poeira no espaço. Se comprovada, a teoria pode redefinir nossa compreensão sobre como a água – e potencialmente a vida – se espalha pelo cosmos, ampliando o campo de estudo da astrobiologia.
A teoria revisa a visão sobre a origem da água na Terra e abre novas possibilidades para a compreensão de planetas rochosos em outros sistemas solares. Se confirmada, essa hipótese sugere que a água pode ser um recurso comum em planetas rochosos, o que tem implicações profundas para a busca por vida extraterrestre.
Além disso, Marte e Mercúrio, bem como a Lua, poderiam ter recebido água por mecanismos semelhantes, especialmente em suas fases iniciais de formação.
A equipe de Kral planeja buscar sistemas estelares jovens onde o disco de vapor de água ainda esteja presente. A equipe já garantiu tempo de observação para analisar sistemas considerados “invulgares e promissores”. Os resultados dessas observações podem confirmar a presença de discos semelhantes e oferecer novas pistas sobre como o vapor de água interage com planetas em formação.
Imagem: Astronomy & Astrophysics
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