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São dessas cenas que surgem à nossa frente, de repente, fugazes e vamos pensando no que vimos e descobrindo razões, ou não do comportamento humano. Estou na Travessa Wandenkolk, indo em direção à Antonio Barreto para enfim, rumar ao Teatro da Paz. Há um centro de atendimento a idosos em uma esquina, quase sempre, lotado. Vejo uma senhora que vai atravessar a rua. Bem, talvez ela seja até mais nova que eu. Talvez tenha aceito a passagem do tempo sem resistir, ou sem condições de reagir. Sei lá. Tem o cabelo preso em um pitó, não usa maquiagem, nenhum adorno. Vestido simples, magra e uma chinela. Em fração de segundos, nos olhamos. Nos encaramos, como em um duelo de faroeste ao final da tarde de um filme B da Sessão da Tarde. Ela percebe que o sinal está aberto para mim, mas hesita em me aguardar passar ou ganhar aquele espaço à frente para, enfim, para o quê? Que pequena vantagem haverá naquela disputa que inexiste? Mas eu, muitas vezes pedestre, sei que ajo da mesma maneira. Mas então, de repente, ela se apruma, dá um pequeno e gracioso salto e passos lépidos, sorri infantilmente, chega ao outro lado da rua e acena, feliz. Segui adiante pensando em nós, humanos, muitas vezes, por diferentes razões, ao sentirmos vontade de nos apressar, pequenas corridas, de dez, doze metros, talvez, o façamos com um sorriso no rosto. Maroto. De quê rimos? De nós mesmos? Ou zás, passa uma lembrança da infância e somos novamente crianças, correndo livres contra o vento? Ou rimos talvez achando que alguém rirá de nossa ridícula corrida e queremos antecipar o riso antes desse alguém? Acho que homens têm mais dificuldade nesse riso, tão sisudos, mas mulheres, quase sempre, mesmo com saltos altos, riem belamente, infantilmente num ato puramente humano, talvez de reflexo, ou a visita fugaz da criança que fomos. Nós, que teoricamente somos donos dos nossos gestos e reações, deixamos que isso surja gratuitamente. No mais, trabalhando, vivendo, respondendo, sentindo, controlamos nossas reações faciais e de corpo inteiro. Se liberássemos esse nosso puramente humano, seria bem legal, acho. Mas essa cena, puro cotidiano, me encheu de emoção após contemplar e de pensamentos bacanas, depois.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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