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O arquétipo do tirano da vez, vestido por Trump, como em outros arranjos da história, nos coloca mais uma vez diante da escolha existencial fundamental, liberdade ou escravidão. Escolha que parece óbvia, mas não é. A dureza de conquistar, e manter, a liberdade, muitas vezes perde para a escolha pela escravidão, muito mais dura e humilhante, mas sustentada pela sensação de não exigir responsabilidades e iniciativas de pensar e elaborar os próprios caminhos e enfrentar os riscos inerentes.

Liberdade ou Escravidão são destinos humanamente construídos, com toda a complexidade que esta natureza implica, que jamais se consumam no plano individual, mas no das nações e Sociedades, daí os “poderosos” não ficarem em seus castelos, mas terem que vir se impor diante de todos, o público. Portanto, não há refúgio, nem neutralidade possível, apenas a ignorância do papel que se está a cumprir. Você tem consciência do papel que cumpre?

O avanço do neofascismo, atual versão da tirania, é a redução da democracia moderna a mera formalidade eleitoral. Estratégia que viabilizou a consolidação da brutal, doentia e amoral desigualdade de renda, riqueza e poder, concentrado em 0,1% da humanidade. O que inclui a deformação cognitiva e ética tanto da base quanto do topo da pirâmide social, destruindo a garantia da igualdade no exercício de direitos, pedra fundamental da democracia.

Sem igualdade no efetivo exercício de direitos, nem do direito à vida ou a alimento, não há garantia de dignidade. Sem dignidade as pessoas se abraçam e se estranham desesperadas diante do que enxergam como o mais óbvio para sua sobrevivência hoje, o dinheiro. Deixam de enxergar o real fator de geração da riqueza, o valor, o propósito. Diria nosso grande dramaturgo, Nelson Rodrigues, “no capitalismo, tudo se compra tudo se vende(por dinheiro), até amor sincero”.

O desespero pela sobrevivência, “você tem fome de que?”(Titãs), que atravessa classes sociais, saldos bancários e níveis de escolaridade, quase sempre se articula ao vazio de propósitos e de projetos tanto entre os indivíduos quanto entre nações. Fazendo com que a única mediação possível seja a disputa, a traição, o golpe, a guerra. A violência é a acomodação das desigualdades. E, para estar a favor do mais forte, ninguém se submete a juízo moral, mas pode se servir do juízo legal. Também não se submetem aos conhecimentos, como o da ciência, mas se servem do obscurantismo dogmático dos que acham que sabem.

A História, a ciência das ciências, nos prova. Em 1932, a opinião pública formada na Alemania levou a nação à eleição democrática de Hitler. Produto da combinação de crise econômica, humilhação nacional e descrença na república de Weimar. O desespero fez muitos alemães passarem a ver a democracia como ineficaz para resolver seus problemas e optarem pela tirania. O povo alemão tinha então os melhores indicadores de educação da Europa, mesmo assim Hitler ganhou força com seu agressivo discurso nacionalista, de ódio aos judeus, negros e comunistas, prometendo ordem e rigidez moral. Grandes e modernos empresários alemães, como os da Volkswagen, apoiaram e deu no que deu. Qualquer semelhança com o que vemos hoje, não é mera coincidência.

A lição histórica do Nazismo, que ainda não foi absorvida como precisa, é que a democracia exige uma educação para a democracia. Exige a efetivação de rotinas participativas nas famílias, escolas, igrejas e empresas. Exige conjugação política, econômica, cultural etc com a democracia. Sem a instituição da democracia enquanto ordem social, e cultura, jamais haverá a compreensão da escolha da liberdade como a melhor escolha. Escolhas estas que exigem uma nova inteligência de valores, que articule respeito, diversidade e solidariedade como novos comportamentos de sucesso, por isso a educação.

As trajetórias de Trump e Bolsonaro se cruzaram por absoluta identidade das elites econômicas que os sustentam, enquanto expressão de valor, enquanto referência de sucesso, enquanto espelho a moldar comportamentos, portanto, educação.

Um play-boy herdeiro de uma fortuna, que nada fez para construir o que recebeu. E, um sobrevivente da classe média baixa do terceiro mundo que optou pela esperteza da manipulação dos desesperados, como tantos outros já fizeram e fazem, e que, por acaso, serviu de escoadouro de identidades vis da elite colonizada, também desesperada, para fugir do horror do que não entende – Sociedade.

Darcy Ribeiro já dizia, em O Povo Brasileiro(leitura obrigatória), é a elite mameluca, a que vende seus serviços aos colonizadores para manter o povo sob rédea curta se submetendo ao destino de viver explorado. Parece apelativo, né? Mas vamos aos números. Somos a nação que realiza o 10º maior PIB(Produto Interno Bruto) do planeta. Mas quando a ONU contabiliza o nosso IDH(Índice de Desenvolvimento Humano) que além do PIB/capita, contabiliza indicadores de acesso à educação e saúde, como referências de qualidade de vida, despencamos para a 84ª posição no ranking mundial. Ou seja, a produção gigantesca que a nação brasileira gera com seu trabalho, não é convertida em riqueza que melhore a qualidade de vida da mesma população. O que você acha? Não tem nada de errado nesta realidade?

No campo da ciência, não há um único autor que fundamente e demonstre esta realidade como a melhor e mais adequada ao desenvolvimento humano. Ao contrário, a grande maioria fundamenta e demonstra que o ponto central para o desenvolvimento sustentável da humanidade está justamente na democracia, cultural, econômica e política. Que na perspectiva entre as nações, somente o multilateralismo é capaz de dar oportunidade à paz. Mas as nações precisam se educar para esta nova Sociedade.

A soberba de Trump, é a tentativa desesperada de sobrevivência dos 0,1% mais ricos do mundo, segundo Thomas Piketty. Os que mais ganharam com a hegemonia da tecnologia e da economia do petróleo e as relações imperiais que fazem das guerras seu argumento mais convincente. O complemento desta estratégia é a subserviência das elites econômicas das nações, hoje identificadas como do Sul Global, antes chamadas de terceiro mundo ou emergentes. Nações que precisam aceitar a fornecer recursos brutos e baratos, hoje chamados commodities, antes eram as drogas do sertão. Ou seja, soberania zero.

A posição da família Bolsonaro é reveladora da qualidade das elites econômicas que os apoiam, e ninguém pode alegar desconhecimento. Já na sua primeira campanha a presidência, batiam continência à bandeira americana e os que assistiam gritavam em inglês U. S. A, em solo brasileiro. Já lá, parte importante de nossas elites econômicas escolhiam a escravidão recorrendo à fantasmagórica ameaça comunista, com que carimbam Lula, mesmo que ele, em seu terceiro mandato, não tenha fechado igrejas, e nem uma das ameaças que disseram que se realizaria. O terror não se faz só com bombas.

De fato, nosso problema não é Bolsonaro, nem Trump, mas as forças econômicas que os fez ícones populares do projeto de Sociedade que deve conservar a hegemonia do petróleo como motor econômico global associado a uma ordem mundial unilateral, imperial, a partir da articulação entre EUA e Europa, que não hesita em se impor pela força militar mesmo que faça reascender o recurso às armas atômicas como pode acontecer no conflito da OTAN, não da Ucrânia, com a Rússia.

Nosso problema é colocar a força de trabalho da nação para produzir, em regra, com baixo valor agregado, sem conhecimento científico e tecnologia local como fizeram absolutamente todas as nações desenvolvidas. Nosso problema é produzir muito e não internalizar riqueza localmente, melhorando a qualidade de vida sistêmica da população a partir das comunidades nas cidades, florestas, campos e varadouros.

A crise é civilizatória, mas nossa luta é aqui e agora. Não sem entender a história global que nos tornou parte da civilização cultivada na Europa a partir da guerra e da escravidão. Nosso desafio é a construção de novas percepções a partir da democracia 360º, política, econômica, cultural etc. O que nos exige uma nova pedagogia, novas referências, racionalidades e afetos.

João Tupinambá Arroyo
Prof João Tupinambá Arroyo, mestre em Economia, doutor em Desenvolvimento e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão da Unama. Membro efetivo do IHGP.

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