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Gosto de conhecer expressões culturais diferentes e de me conectar com elas, compreendendo e sentindo-as. Por exemplo, costumo me distrair no Spotify ouvindo os poemas recitados e cantados de Rumi e músicas sufis. Jalaluddin Rumi, poeta persa do século XIII, é considerado um dos maiores expoentes da poesia sufi, uma expressão mística do Islã que busca a união com o divino por meio do amor, da contemplação e da transcendência do ego. Seus poemas, profundamente espirituais, exploram temas como o amor divino, a busca pela verdade, a unidade com o cosmos e a dissolução do eu na presença de Deus. 

Jaluddin Rumi (1207–1273), conhecido simplesmente como Rumi, foi um poeta, teólogo e místico persa do século XIII, nascido no atual Afeganistão e que viveu principalmente na Turquia. Ele é um dos mais influentes poetas sufis da história, e sua obra transcende fronteiras culturais, sendo amada por muçulmanos, cristãos, judeus e seculares. Rumi fundou a ordem dos dervixes rodopiantes (Mevlevi), famosa por suas danças meditativas que simbolizam a união com o divino.

O pensamento de Rumi é profundamente místico e centrado no sufismo, uma tradição islâmica que busca a experiência direta de Deus (ou o Absoluto) através do amor, da poesia e da introspecção. Alguns de seus escritos:  Masnavi (um épico espiritual de seis volumes) e o Divan-e Shams-e Tabrizi (coleção de odes inspiradas em seu mestre Shams de Tabriz).

A obra de Rumi me impressiona pela tolerância e universalidade: apesar de enraizado no Islã, Rumi celebrava a diversidade humana. Ele dizia:

 “Venha, venha, quem quer que você seja. Vagabundo, adorador, amante de partir, não importa. Nossa caravana não é de desespero.” Sua mensagem de inclusão ressoa em tempos de divisão.

Hoje, Rumi é o poeta mais vendido nos EUA, com traduções de autores como Coleman Barks tornando-o acessível. Seu pensamento inspira a psicologia junguiana (na ideia de individuação através do amor), a espiritualidade New Age e até a terapia moderna, enfatizando a cura emocional pelo amor incondicional. No entanto, puristas sufis alertam que traduções ocidentais às vezes suavizam o contexto islâmico de sua obra.

Sua obra mais conhecida, o Masnavi (ou Mathnawi), é uma extensa coletânea de poemas didáticos e espirituais que mesclam histórias, parábolas e reflexões místicas. Outra obra central de sua autoria é o Diwan-e Shams-e Tabrizi, uma série de poemas líricos dedicados a seu mestre espiritual, Shamsuddin de Tabriz, cuja presença transformou sua vida e inspirou profundamente sua poesia.

Na poesia de Rumi, o amor (ishq) é visto como o principal caminho espiritual. Ele não faz distinção entre o amor humano e o amor divino, considerando ambos expressões de uma mesma essência. Em seus versos, ele declara:

“Fora do círculo do amor, não há lugar para mim.”

Esse amor é o fogo que consome o ego e leva à união com o divino. Rumi convida o leitor a abandonar a razão e entregar-se ao coração:

“O amor não tem nada a ver com os cinco sentidos ou com a razão.

Ele é um oceano sem fim, sem margens ou chão.”

Seu uso constante de simbolismos e metáforas confere grande riqueza à linguagem poética. Elementos como o vinho, a dança dos dervixes rodopiantes, a flauta e o Amado são utilizados para representar a busca pela união com Deus. A flauta, em particular, é uma metáfora recorrente para a alma separada da origem divina, que lamenta e anseia pelo retorno. No início do Masnavi, Rumi escreve:

“Ouça a flauta de cana, como ela conta uma história,

Lamentando a separação.

Desde que fui cortada do canavial,

Todos choram com meu lamento.”

Outro aspecto marcante é a ênfase na unidade e na transcendência. Rumi frequentemente rejeita divisões religiosas e culturais, defendendo uma visão espiritual que ultrapassa dualidades. Um de seus versos mais famosos expressa essa visão:

“Além das ideias de certo e errado,

Há um campo. Encontrar-te-ei lá”

Seus poemas também descrevem estados de êxtase místico nos quais o ego se dissolve na presença divina. Essa experiência é frequentemente expressa por meio da dança e da música, práticas centrais do sufismo, especialmente na ordem Mevlevi, fundada por seus seguidores. Para Rumi, esse êxtase não é uma fuga do mundo, mas um mergulho na essência de tudo:

“Quando você faz as coisas a partir da alma,

Sente um rio se movendo dentro de você, uma alegria.”

O sufismo, ou tasawwuf, é a dimensão mística do Islã que valoriza a experiência direta de Deus por meio da purificação do coração e da prática do dhikr, a lembrança constante do divino. Para Rumi, a poesia era um veículo capaz de expressar verdades espirituais que vão além da razão. Sua relação com Shamsuddin de Tabriz, um dervixe errante, foi fundamental em sua transformação. Shams despertou em Rumi uma paixão espiritual intensa, levando-o a abandonar a rigidez acadêmica e mergulhar em uma jornada mística mais visceral e universal. A profunda conexão entre eles inspirou a criação do Diwan-e Shams-e Tabrizi, no qual Rumi muitas vezes usa o nome de Shams como metáfora para o Amado divino. Após o desaparecimento de Shams, a poesia de Rumi ganhou ainda mais intensidade emocional. Ele escreve:

“Shams é o sol que ilumina meu coração,

Mesmo quando seu corpo está ausente,

Sua luz permanece eterna em mim.”

Um dos trechos mais emblemáticos do Masnavi é o “Canto da Flauta de Cana”, que abre a obra e sintetiza a essência da jornada espiritual sufi. Rumi escreve:

“Quero um coração rasgado pela dor da separação,

Para que eu possa contar o segredo do meu anseio.

Todo aquele que está longe de sua origem

Anseia pelo momento de retornar a ela.”

Essa imagem mostra como a dor da separação é, para Rumi, um elemento essencial da experiência mística, pois é através dela que nasce o anseio pela união com Deus. A flauta só pode produzir som quando o sopro passa por ela, sugerindo que o ser humano só encontra sentido quando é preenchido pelo sopro divino.

A dança dos dervixes rodopiantes, associada à tradição sufi da ordem Mevlevi, também representa essa busca de união espiritual. Embora Rumi não tenha formalizado o ritual, sua prática de girar em êxtase místico inspirou a semâ, um ritual estruturado que combina música, poesia e dança. Durante a cerimônia, os dervixes giram em círculos com o braço direito voltado para o céu e o esquerdo para a terra, simbolizando a recepção da luz divina e sua distribuição ao mundo. O giro, nesse contexto, representa o movimento do universo, dos planetas ao átomo, e a busca do espírito humano por harmonia com o divino. Rumi escreveu sobre esse movimento:

“Gire, gire, ó coração,

Como as estrelas dançam no céu sem fim.

Esqueça o mundo, abandone o eu,

E encontre o Amado no giro sem fim.”

A dança é acompanhada por instrumentos como a flauta ney, o tambor e cânticos baseados nos poemas de Rumi. Não se trata de uma performance estética, mas de uma forma de oração, de dhikr, em que o ego se dissolve para dar lugar à presença do Amado.

A mensagem de Rumi continua a soar no mundo contemporâneo. Traduções feitas por Coleman Barks ajudaram a tornar sua obra acessível a públicos diversos, ainda que, por vezes, adaptadas ao gosto ocidental. Sua visão universalista, que transcende religiões, idiomas e culturas, mantém sua poesia viva e atual. A celebração anual da morte de Rumi, chamada Şeb-i Arus (“Noite de União”), atrai milhares de pessoas a Konya, na Turquia, onde o ritual dos dervixes ainda é praticado. Para Rumi, a morte não é fim, mas reencontro com o divino. Como ele expressou poeticamente:

“Quando eu morrer,

Não digam: ‘ele partiu’.

Digam: ‘ele retornou à Fonte’.”

Ouvir Rumi no Spotify, seja recitado em poemas ou na forma de músicas sufis, é uma forma de meditar, de me conectar com outra tradição poética e espiritual rica e inspiradora. O YouTube tem belos conteúdos de Rumi e do ritual dos dervixes. Sua poesia, ainda hoje, toca fundo na alma e convida à contemplação, à entrega e à busca por algo maior do que nós mesmos: uma presença silenciosa, amorosa e eterna.

Veja o ritual dos dervixes:

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

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