Publicado em: 23 de agosto de 2025
O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) lançaram, na última quarta-feira, dia 20, o documento “Cenários Estratégicos para a Ampliação do Conhecimento Científico e Proteção da Biodiversidade da Foz do Rio Amazonas”. O evento foi realizado no auditório Paulo Cavalcante, sede do Museu Goeldi, e contou com a presença de autoridades dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, além de especialistas, lideranças tradicionais e gestores públicos dos estados do Amapá, Maranhão, Pará e São Paulo.
O documento é resultado de mais de um ano de trabalho do Grupo de Trabalho da Foz do Amazonas em uma articulação inédita de 19 especialistas de diversas áreas, em parceria entre MPEG e IEA-USP, e responde à crescente preocupação da sociedade civil e da comunidade científica com a possibilidade de exploração petrolífera na região. O relatório propõe uma agenda ambiciosa de medidas integradas para o fortalecimento da proteção socioambiental da Foz do Amazonas, uma das ecorregiões mais estratégicas para o equilíbrio climático e a biodiversidade planetária.
Entre as propostas centrais estão a criação do Instituto Nacional da Foz do Rio Amazonas (INFA), voltado à produção e articulação de conhecimento científico sobre a região, e a implantação de um Mosaico de Áreas Protegidas Marinhas, que prevê três categorias de uso: corredores ecológicos, áreas de desenvolvimento sustentável e zonas de proteção integral. Essas áreas contemplariam, de forma harmônica, a conservação da fauna e flora com a permanência de atividades econômicas essenciais para as comunidades locais.
“A criação do INFA permitirá que o Brasil compreenda e monitore melhor esse ecossistema. E o Mosaico de Áreas Protegidas Marinhas trará segurança para comunidades humanas, ambientes e espécies da flora e fauna que vivem em constante vulnerabilidade”, destacou o diretor do Museu Goeldi, Nilson Gabas Júnior, durante a cerimônia de lançamento.
A diretora do IEA-USP, Roseli de Deus Lopes, reforçou o caráter colaborativo da iniciativa: “Trata-se de uma agenda ambiciosa e colaborativa para garantir a proteção e o uso sustentável de uma das regiões mais estratégicas para o equilíbrio climático e a biodiversidade global”.
O documento traz ainda 18 grandes estratégias complementares, entre elas o fortalecimento de redes de pesquisa entre instituições da região norte, o envolvimento direto de comunidades tradicionais na gestão de áreas protegidas, a criação de sistemas para mapear áreas sensíveis e monitorar a biodiversidade, além da promoção de um modelo de desenvolvimento pautado pela Economia Azul,que valoriza os recursos marinhos de forma sustentável.
A região da Foz do Amazonas abriga uma biodiversidade ímpar: é onde o maior sistema fluvial do mundo encontra o oceano Atlântico, formando um ecossistema de transição entre ambientes de água doce e salgada. São manguezais contínuos, recifes únicos, plumas de água doce que se estendem até o Caribe, e uma fauna ameaçada que inclui tartarugas marinhas, baleias, corais e tubarões.
Mas o valor da região vai além do ambiental. Comunidades indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e extrativistas mantêm modos de vida profundamente integrados ao território. “A Foz do Amazonas é um ponto de convergência vital entre a Amazônia Verde e a Amazônia Azul. É também um território de saberes tradicionais e de desafios urgentes diante do cenário de intensificação de atividades econômicas. Com esse plano, buscamos fortalecer a ciência e garantir que a conservação ande junto com a justiça social”, explicou Alexander Turra, da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
Essa perspectiva foi reiterada por Sandra Regina Pereira Gonçalves, pescadora e representante da Confrem (Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos): “O reconhecimento dos territórios tradicionais como estratégicos para a conservação da biodiversidade, o respeito e a participação das comunidades tradicionais que vivem da pesca, do extrativismo e da relação direta com o manguezal na Foz do Amazonas é essencial para garantir o equilíbrio ambiental da região”.
O evento contou com a participação de João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; Andréa Latgé, da Secretaria de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI; Edivan Andrade, secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Amapá; e Rodolpho Zaluth Bastos, secretário adjunto da Secretaria de Meio Ambiente do Pará. Também estiveram presentes os dirigentes do Museu Goeldi e do IEA-USP, além dos especialistas do grupo de trabalho.
Para Nils Edvin Asp, professor titular da UFPA e coordenador do Observatório para a Foz do Rio Amazonas (Rede ARMO/CNPq), a entrega do relatório marca uma virada histórica: “Este documento representa um esforço inédito de união entre ciência, saber tradicional e gestão pública. O que está em jogo aqui não é apenas um ecossistema – é o futuro das próximas gerações, que depende fundamentalmente do equilíbrio entre exploração e uso de recursos e da qualidade ambiental. Isso só pode ser alcançado com investimentos massivos no conhecimento científico da região”.
Foto: MPEG / IEA-USP
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