A prefeitura de Portel, em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca, lançou na sexta-feira passada (23) o projeto Marajó Sustentável, aliado ao Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Seringueira no Estado do Pará e ao Plano Estadual Amazônia Agora. O objetivo é reativar a exploração da borracha extrativa em seis municípios do arquipélago do Marajó, beneficiando famílias de seringueiros e ribeirinhos.
“A seringueira é ‘a árvore da resistência’. Por muito tempo ela foi a ‘vedete’ da floresta. Hoje é o açaí. Já fomos o principal produtor de látex de seringueira, mas desde os anos 90 São Paulo é o maior produtor brasileiro. Sem apoio de políticas públicas, milhares de seringueiros largaram os seringais e se voltaram a outras atividades. A valorização dos produtos da floresta e o apoio sério do poder público a milhares de agroextrativistas que protegem e manejam cerca de 25% das florestas amazônicas são importantes para a conservação da floresta e melhorar a qualidade de vida dessa população”, comenta, com exclusividade para o Portal Uruá-Tapera, a cientista Ima Vieira, doutora em Ecologia, Mestre em Genética e Melhoramento de Plantas e ex-diretora geral do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Conseguir recursos federais com o fim de viabilizar a produção de borracha na região é um dos desafios encarados pelas Prefeituras. O programa da Sedap, que chegou a ser incluído no plano federal de Desenvolvimento Territorial Rural, começou em 2013 no município de Anajás, mas parou no ano seguinte por causa da mudança de governo e de prioridades. Agora, os produtores querem a reativação dos seringais nativos do Marajó, que tem trinta milhões de árvores em seis municípios, dez milhões só em Anajás, onde será desenvolvido o projeto piloto com produção de borracha, açaí e essência de óleos vegetais, que precisa da estrutura necessária para absorver a produção e borracha e ao menos uma pequena agroindústria para beneficiar o açaí e extrair o óleo vegetal. O programa já cadastrou duas mil famílias de produtores, 400 só na área de seringueira. Cada uma tem capacidade para produzir meia tonelada de borracha por mês, mas o projeto está parado por falta de comprador.
“A produção tem mercado garantido porque o Brasil importa 160 mil toneladas de borracha anualmente da Malásia e Indonésia”, acredita o agrônomo Paulo Soares, da Federação Agropecuária do Pará (Faepa), que assessora a prefeitura de Anajás. O projeto é a esperança de crescimento do município, cuja população tem 90% dos 30 mil habitantes abaixo da linha de pobreza.
Linhas de microcrédito do Banpará para atender os produtores e recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf-Floresta) são da maior importância para viabilizar a atividade, mas é preciso que os agricultores estejam adimplentes junto às instituições financeiras para recuperar o crédito bancário. Há, ainda, o problema da titulação da terra.
Contratado pelo zoólogo Emílio Goeldi, então diretor do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, o suíço Jacques Huber recebeu a missão de estruturar o horto botânico da instituição, que se tornou o Museu Goeldi. Para tal, Huber pesquisou o cultivo de diversas espécies vegetais amazônicas e montou a primeira coleção com plantas trazidas de suas jornadas realizadas pelo interior da Amazônia. Em 1897, já faziam parte da paisagem do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi 531 espécies vegetais.
Um dos poucos especialistas de referência mundial na taxonomia dos gêneros de plantas que produzem látex, Jacques Huber plantou e acompanhou todo o ciclo de vida da Hevea brasiliensis: a germinação, o crescimento, a reprodução, a floração e a frutificação. Estudou também a distribuição geográfica da planta e o processo de extração do látex, atividade que sustentava a economia regional, no final do século XIX e início do XX.
“Huber realizou diversas pesquisas, estudou os fungos que infectavam essas espécies e que impediam seu cultivo em larga escala. Estudou, também, o processo de sangria das árvores e chegou a desenvolver uma faca chamada ‘Faca de Huber’, proposta para substituir o tradicional machadinho da seringueira”, conta Nelson Sanjad, doutor em história das ciências e pesquisador do Museu Goeldi.
O pequeno machado, comumente utilizado por seringueiros na extração do látex, danificava o caule das plantas, permitindo a infecção por fungos. Já a Faca de Huber tinha um design que impedia um corte profundo, atingindo a casca superficialmente. Com esta técnica, os fungos não penetravam na árvore e o tempo de vida e a produção de resina da seringueira eram maiores.
Em 1876, o britânico Henry Wickham levou 70 mil sementes da espécie Hevea brasiliensis para a Inglaterra. Sem perceber as consequências de seu gesto, os donos dos seringais amazônicos deram a semente da espécie nativa que produzia o melhor látex do comércio internacional. Na Inglaterra, as milhares de sementes foram plantadas nas estufas do Jardim Botânico Real, e sós duas mil germinaram. Mas bastou essa quantidade e o conhecimento científico para que os ingleses a replantassem em suas colônias no sudeste asiático e abalassem o monopólio da borracha na Amazônia.
Na segunda década do século XX, o mercado da borracha brasileira já não suportava a competição com o comércio britânico. Foi decisiva a mão-de-obra asiática, mais barata do que a brasileira e explorada por ingleses e holandeses, além das diferenças no processo de sangria da árvore: o corte oriental prejudicava menos a planta e aumentava o tempo de vida útil. O declínio foi vertiginoso. Em 2012, o Brasil foi o responsável pelo fornecimento de apenas 1,5% da borracha natural em escala mundial, de acordo com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
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