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Em parceria com a Rights & Security International, a Ponte Jornalismo fuçou os sites das Secretarias de Segurança Pública de todo o Brasil e teve que requerer dados brandindo a Lei de Acesso à Informação. Mas nada impediu a repórter Jeniffer Mendonça, ao lado do consultor Marcelo Soares, da Lagom Data, de apurar quem morre e quem mata em nome da segurança pública. O resultado mostra uma disparidade enorme: enquanto São Paulo lidera com alguma folga o ranking, seguido pelo Pará e Rio Grande do Sul empatados em segundo lugar, três estados, todos da região Norte (Acre, Rondônia e Roraima) tiveram pontuação zero, e a maioria absoluta em todo o Brasil está bem longe do ideal de transparência.

Só dez estados publicaram voluntariamente os dados, sem qualquer padronização. Em resposta aos pedidos sob o amparo da LAI, 15 forneceram os dados que não publicam voluntariamente e 12 juntaram detalhes que não constam em seus sites. Ao final, foi calculado um índice que compara os estados numa escala que vai de zero, para quem não divulga nada, a 1, no caso hipotético de todos os itens estarem preenchidos. Na transparência ativa, nenhum estado chegou a 50% do total.

O Pará se destacou pela clareza gráfica: além de divulgar e permitir filtrar os dados, também destaca as mortes de agentes de Estado, informando, inclusive, as patentes ou postos, corporação, se a morte aconteceu em serviço ou de folga, meio empregado, perfil que inclui gênero, cor, idade, mapa e série histórica. O problema é não identificar ocorrências de suicídio ou apresentar dicionário de dados que permita saber, por exemplo, o que as abreviações e siglas de postos das vítimas significam.

A boa notícia: esses números provam que existe espaço para mais transparência, pois os estados já têm essa informação organizada. A má notícia: o problema segue grave.

As polícias estaduais mataram 6.429 pessoas no Brasil em 2022, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em julho deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O braço armado do Estado é o único que dispõe de autorização legal para empregar o uso da força – e isso inclui matar – se for necessário, obviamente. 

A força letal deveria ser o último recurso a ser empregado, mas tem sido cada vez mais utilizada como primeira opção. De 2013 para 2022, o aumento foi de 190% de mortes decorrentes de intervenção policial em todo o país. Do outro lado, aumentou o número de policiais civis e policiais militares assassinados: foram 161 mortos de forma violenta, sete em cada dez fora de serviço no ano passado. Ou tirando a própria vida, geralmente pelas más condições de trabalho: 82 vítimas de suicídio.

Sete secretarias estaduais de Segurança Pública do Brasil não disponibilizam dados de mortes praticadas pelas polícias em seus sites oficiais: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná e Roraima. Por isso, ao considerar as mortes de policiais, a lista fica maior: 17 estados não identificam esse tipo de homicídio.

O site da Secretaria de Segurança Pública de Roraima está “em manutenção” há pelo menos seis anos. O da Bahia teve o layout repaginado justamente no período do levantamento. Ali também não estão elencadas as 1.464 pessoas mortas pelas polícias Civil e Militar da Bahia em 2022, conforme consta na 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 20 de julho de 2023, mostrando que a Bahia ultrapassou o Rio de Janeiro pela primeira vez, tornando-se o estado com o maior número absoluto de vítimas das forças policiais estaduais. A taxa no período passou de 9,5 para 10,4 mortos por 100 mil habitantes, mantendo o estado com a medalha de prata no quesito violência policial. No Brasil, os indicadores de letalidade policial como um todo registraram uma diferença de 1%, de 6.524, em 2021, para 6.430 em 2022. Mas, na Bahia, esse indicador vem aumentando ano a ano. O destaque, obviamente, levou a imprensa a questionar o governo. A Secretaria de Segurança Pública disse em nota que se tratam de mortes de “homicidas, traficantes, estupradores, assaltantes, entre outros criminosos” e que por isso não computa os registros junto com os dados de “morte praticada contra um inocente”. “Os discursos continuam legitimando o modelo de atuação da polícia e criminalizando todo mundo que morre, sendo que as matérias vêm demonstrando que nem todo mundo que foi assassinado pela polícia tem esse perfil tipificado que a Secretaria de Segurança Pública fala. Nós temos jovens, crianças, idosos, pessoas que foram mortas dentro de casa por balas disparadas em operações da Polícia Militar”, afirmam os ativistas baianos pelos direitos humanos.

“Morte decorrente de intervenção policial” ou “morte por intervenção de agente de Estado”, sem o “oposição”, aparece em São Paulo, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Pará e Paraná. O Rio de Janeiro começou usando “homicídio decorrente de intervenção policial” nas planilhas enviadas por LAI, mas passou a adotar “morte por intervenção de agente de estado” a partir de 2016. Os demais estados têm variações entre “confronto policial”, “resistência com resultado morte” e “enfrentamento policial”. Já as mortes de policiais, quando violentas, costumam ser classificadas como homicídio, mesmo quando ocorrem em serviço.

“O Ministério Público Federal, que poderia fazer o controle externo, que deveria fazer o controle externo, não faz, nem das polícias nem do fundo nacional”, critica Alberto Kopittke, do Instituto Cidade Segura. “A gente sabe que a capacidade que o governo federal tem de indução é relativamente limitada porque ele pode recomendar os fatos, e se o estado resolver que não vai adotar, simplesmente não adota. Mas, se tiver uma liderança nacional já é meio caminho andado. A gente sabe que mais da metade dos estados dependem do governo federal para fazer investimentos”, complementa Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “A gente não consegue avançar no conhecimento do que funciona e do que não funciona quando não se tem dados”, pontua o pesquisador. “Quando não há dados, é tudo muito no discurso político”, afirma ele, que também é autor do Manual de Segurança Pública baseado em evidências (2023).

Marcos Perez, do LabGov da USP, e Fernanda Campagnucci, da Open Knowledge Brasil, destacam que a administração pública precisa se conscientizar acerca da importância da produção de dados de maneira transparente e investir em estrutura e capacitação de profissionais para alimentar essas informações. “Você tem lugares que já têm uma sociedade civil mais atuante, um jornalismo mais investigativo que vai demandar e pode fazer avançar a abertura dos dados, mas em outros lugares, não. Uma legislação específica ajudaria, mas mais do que isso: uma política nacional pensada com a sociedade acho que ia ajudar a avançar mais”, sugere Campagnucci.

Fotos de Daniel Arroyo

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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