Tenho algumas coisas a colocar, no debate que vem sendo feito a respeito do Projeto de Lei 701/2024 – a Reforma Administrativa desejada pelo governador do Pará, Helder Barbalho.
- O governador não vai desistir do Projeto enquanto não houver pressão social. A sociedade pode alcançar vitórias pontuais e o governo pode fazer recuos pontuais, diante da pressão de alguns setores atingidos pela sua proposta, mas o projeto tende a surgir sob novas formas ou ir progredindo discretamente. Diante disso, é preciso mobilização e debate público. Somente diante de mobilização e ideias, o governo compreenderá argumentos e recuará da proposta. Eu, por exemplo, acompanho melhor a luta pela permanência da Funtelpa e da FCP, que são instituições das áreas onde atuo mais de perto, mas as pessoas do campo do esporte e lazer, ou da agricultura familiar, também estão se mobilizando. Juntos, todos ganham. O centro da disputa não pode ser pensado a partir de identidades profissionais ou institucionais, mas a partir de uma luta política contra a doutrina do Estado mínimo e do corte de políticas sociais.
- É preciso ampliar a luta, agregando os campos sociais atingidos. Jornalistas e artistas se mobilizaram fortemente contra a dissolução da Funtelpa e da Fundação Cultural do Pará, mas a reforma desejada pelo governo é muito mais ampla. Aumentar o foco da luta e agregar outros setores da sociedade paraense também atingidos é estratégico para dar força às reivindicações.
- O que o projeto ameaça é a compreensão do Estado como indutor de políticas públicas sociais. A Reforma Administrativa pretendida pelo governo não ataca somente a cultura e a comunicação pública, mas também a educação, o esporte e o lazer, a agricultura familiar e as políticas em defesa e promoção da mulher, da igualdade racial e dos direitos humanos em geral. Assim, a luta contra o Projeto precisa mencionar a intenção de desmontar políticas sociais em geral e unificar as mobilizações de todos esses setores.
- As razões do governo do Pará para reduzir políticas sociais são amplamente questionáveis. Essas razões estão baseadas em economia da máquina pública e em redução de Estado. As palavras evocadas pelo Governo são economia, otimização e eficácia. Porém, tanto as ciências econômicas como as ciências políticas demonstram que isso significa, simplesmente, redução de gastos sociais.
- Há três argumentos principais para se posicionar contra a Reforma Administrativa do governo:
a. Gastos sociais são fundamentais e estruturais numa sociedade com tanta desigualdade de renda, como a brasileira. Além disso, mais do que gastos, são investimentos. E tudo isso é muito mais grave quando se refere ao estado do Pará, onde as desigualdades são ainda maiores.
b. A complexidade do estado do Pará exige uma estrutura administrativa específica, e igualmente complexa. Um estado como o Pará, com seu tamanho, sua diversidade e seus desafios precisa ter estruturas de gestão flexíveis e ágeis, e não grandes órgãos de governo.
c. As fusões e extinções propostas esvaziam as pautas desses órgãos de governo, à medida em que as misturam a outras pautas, confundindo lutas sociais específicas. É uma ilusão – ou uma tentativa de iludir – a ideia de que fundações e secretarias que realizam políticas específicas ganham força quando são acopladas a outros órgãos.
d. As fusões tendem a reduzir o orçamento das áreas impactadas. Isso é a consequência natural de uma política de reforma administrativa que se justifica com base na economia e na redução de custos.
- Há, também, razões específicas para se posicionar contra cada um dos itens da Reforma Administrativa do governo:
a. no caso da Fundação Cultural do Pará, a sua integração à Secretaria de Cultura prejudica a agilidade de políticas culturais que dependem de ações mais diretas, permitidas pela forma da fundação (como vários estudos indicam);
b. a fusão da Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa) e de suas TV Cultura e Rádio Cultura à Secretaria de Estado de Comunicação fere o princípio constitucional da separação entre a comunicação estatal (missão da Secom) e a comunicação pública (feita pela Funtelpa), sendo, portanto, um projeto inconstitucional, que macula o Artigo 220 da Constituição;
c. no caso da extinção da Secretaria da Mulher (Semu) e da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sirdh) é preciso considerar que se trata de um retrocesso em direitos sociais e conquistas realizadas pela sociedade após muito debate, inclusive porque agrupar a pasta de mulheres ao discurso sobre “família” constitui um retrocesso conservador a muitos debates anteriores e, assim, uma ameaça à garantia dos direitos das mulheres;
d. a fusão da Secretaria de Esporte e Lazer (Seel) com a Secretaria de Turismo (Setur), o projeto recai na ideia, arcaica, de que políticas de turismo são semelhantes a políticas de esporte e lazer. Essa falsa conexão entre os dois setores tende a corroer o orçamento de esporte e lazer – fundamentais para o desenvolvimento de crianças e jovens – diante da necessidade de investimentos em turismo, economicamente imprescindíveis para o Pará, mas que se colocam em outro plano das políticas públicas.
e. a fusão da Secretaria de Agricultura Familiar (Seaf) à Secretadia de Agricultura é perceptível que se trata de mais um ataque estrutural aos pequenos produtores e agricultura familiar, pois a secretaria de agricultura se dedica mais às questões relacionadas ao agronegócio e à grande produção, enquanto, por outro lado, uma imensa parcela da população paraense se dedica à agricultura familiar, necessitando de políticas públicas, atenção técnica e créditos rurais específicos;
f. a extinção da Fundação de Apoio para o Desenvolvimento da Educação Paraense (Fadep), é preciso ver que essa fundação, embora criada recentemente, tem potencial para acelerar o planejamento e a execução de políticas educacionais, notadamente no que se refere à questão – central, na realidade paraense – da infraestrutura escolar.
g. a extinção da Escola de Governança Pública do Estado do Pará (EGPA) desempenha papel essencial na formação de servidores públicos e na promoção de uma administração pública mais eficiente. Sua autonomia garante programas educacionais adaptados às necessidades do estado. Subordinar sua gestão à Seplad pode limitar sua capacidade de atuação e priorizar apenas as demandas administrativas.
h. a absorção do Núcleo de Gerenciamento do Programa de Microcrédito CREDCIDADÃO pela Seplad pode comprometer a alocação de recursos e diluir sua importância no combate à desigualdade econômica. Esse Programa tem potencial para promover o empreendedorismo e a inclusão financeira em comunidades vulneráveis.
i. a absorção do Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano (NGTM) pela Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra) pode dificultar o atendimento a problemas específicos de transporte, que são cruciais para a população metropolitana de Belém, porque o NGTM foca em soluções de mobilidade urbana, enquanto a Seinfra trata de demandas mais amplas de infraestrutura.
j. a absorção da Agência de Regulação e Controle de Transporte do Estado (Artran) pela Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos (Arcon) pode comprometer a eficácia na regulação de um setor tão sensível e tão estratégico para a população paraense. Como se sabe, a Artran tem função de regular o transporte no estado e uma fusão com a Secretaria coloca imediatamente sob suspeita a sua competência. Uma estrutura administrativa específica é fundamental para garantir serviços de qualidade e resolver conflitos no setor de transportes.
E essas são apenas algumas razões. Há muitas outras a serem incluías nessa argumentação geral.
Ressalto a necessidade de unir as lutas de todos esses setores contra o Projeto de Reforma Administrativa do Governo. É preciso fazer o governo ver que eficácia de gestão não se produz com corte de orçamentos e obstrução da implementação de políticas sociais. É justamente o contrário.
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