Pesquisadoras do Trinity College Dublin constataram que os Denisovanos, um grupo de hominídeos descoberto recentemente, tiveram um papel significativo na evolução humana ao transmitir genes para os seres humanos modernos por meio de múltiplos eventos de cruzamento. Essas trocas genéticas ajudaram a moldar as características e capacidades dos humanos que vivem hoje.
Em 2010, a publicação do primeiro rascunho do genoma dos Neandertais mostrou que esses hominídeos antigos haviam se cruzado com os humanos modernos. Logo depois, outra descoberta na caverna Denisova, nos montes Altai, na Sibéria, revelou um pequeno fragmento ósseo de dedo, pertencente a um grupo ainda desconhecido até então – que depois foram denominados Denisovanos. “Foi uma das descobertas mais emocionantes da última década”, afirma a Dra. Linda Ongaro, pesquisadora de pós-doutorado na Escola de Genética e Microbiologia do Trinity College Dublin e primeira autora de um artigo de revisão publicado na Nature Genetics no último dia 5 de novembro. Segundo Dra. Ongaro, a descoberta embasa a refutação da ideia simplista de que a evolução humana ocorreu de maneira linear e isolada.
Ao contrário dos Neandertais, que deixaram um registro fóssil relativamente extenso, as evidências fósseis dos Denisovanos se limitam a um punhado de ossos – um dedo, um maxilar, alguns dentes e fragmentos de crânio. No entanto, pesquisadores conseguiram reconstruir aspectos de sua genética analisando segmentos de DNA Denisovano presentes no genoma de seres humanos modernos.
O estudo liderado pela Dra. Ongaro e pela Prof. Emilia Huerta-Sanchez identifica pelo menos três eventos de cruzamento entre os Denisovanos e humanos modernos, cada um envolvendo diferentes populações de Denisovanos. Isso sugere uma relação complexa entre essas linhagens irmãs. Esses cruzamentos deixaram marcas genéticas que se encontram hoje em populações distribuídas por regiões que vão da Sibéria ao Sudeste Asiático, além da Oceania e da América do Sul.
De acordo com as pesquisadoras, essas populações Denisovanas provavelmente adaptaram-se a uma ampla variedade de ambientes, e parte dessa adaptação foi transmitida aos humanos modernos. “Esses genes Denisovanos trouxeram vantagens evolutivas para humanos que viviam em ambientes inóspitos”, explica a Dra. Ongaro.
O estudo revelou que, entre essas adaptações, está um gene que proporciona tolerância a condições de baixa oxigenação (hipóxia), o que é particularmente útil em altitudes elevadas. Esse gene é encontrado em populações tibetanas, por exemplo, que vivem nas alturas do Himalaia, onde o ar é rarefeito. Outro gene, associado ao metabolismo de lipídios, contribui para a produção de calor ao ser estimulado pelo frio, beneficiando populações como os Inuítes, que habitam regiões árticas.
Além disso, múltiplos genes Denisovanos relacionados ao sistema imunológico conferiram maior resistência a doenças. Essas adaptações foram fundamentais para humanos modernos em diversos ecossistemas, permitindo-lhes prosperar em locais com condições extremas.
A pesquisa sugere que o impacto dos Denisovanos na história humana pode ser ainda mais amplo do que se conhece hoje. Segundo a Dra. Ongaro, “há muitas direções futuras para a pesquisa que nos ajudarão a contar uma história mais completa de como os Denisovanos impactaram os humanos modernos.” Ela destaca a necessidade de analisar geneticamente populações sub-representadas, o que poderia revelar traços de ancestralidade Denisovana ainda não identificados.
Outro aspecto importante para o futuro da pesquisa é a integração de dados genéticos com informações arqueológicas, caso novos fósseis Denisovanos sejam encontrados. Esses dados poderiam preencher lacunas importantes na compreensão das interações entre humanos modernos e hominídeos antigos.
A pesquisa, financiada pelo Conselho Europeu de Pesquisa, traz um avanço significativo no campo da genética evolutiva e oferece novas perspectivas sobre a complexa história de cruzamentos que moldou a humanidade moderna. A análise desses eventos reforça que a evolução humana é marcada por redes de interações entre diferentes linhagens, que contribuíram de forma crucial para a sobrevivência e adaptação das populações humanas ao longo da história.
Os Denisovanos foram “descobertos” com base apenas em seu DNA. Em 2010, o geneticista alemão Johannes Krause, então doutorando, analisava o DNA mitocondrial do osso de dedo encontrado na caverna de Denisova, acreditando tratar-se de um Neandertal. Porém, o que Krause encontrou foi uma linhagem completamente nova de humanos antigos, batizada de Denisovanos. Esse achado colocou os cientistas em uma situação sem precedentes, com todo o genoma de um Denisovano sequenciado, mas sem fósseis significativos além de alguns fragmentos ósseos e dentes.
Somente em 2019 uma evidência mais concreta surgiu: a metade direita de uma mandíbula encontrada na década de 1980 na caverna Baishiya Karst, no planalto tibetano, revelou, através de análise de proteínas, que pertencia a um Denisovano. Muitos pesquisadores acreditam que outros fósseis de hominídeos na Ásia Oriental possam ser Denisovanos erroneamente classificados como outras espécies.
Para recriar a imagem do rosto de uma Denisovana, pesquisadores mapearam a expressão genética de fragmentos de DNA do osso do dedo encontrado. Sem fósseis completos, a tarefa de reconstruir a aparência de um Denisovano parecia impossível, mas a equipe liderada pelo geneticista Liran Carmel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, encontrou uma nova abordagem para a tarefa.
Em vez de usar o DNA em si, os cientistas mapearam padrões de metilação do DNA — pequenas adições químicas que influenciam a expressão genética. “Essa técnica nos permite comparar como os genes funcionavam em diferentes grupos humanos antigos”, explicou Carmel para a Smithsonian Magazine. A equipe analisou as modificações de metilação para identificar quais genes estavam mais ou menos ativos nos Denisovanos em comparação com Neandertais e humanos modernos, o que os ajudou a prever características anatômicas como o formato do rosto e do crânio.
A técnica de metilação de DNA ainda é relativamente nova e, segundo o paleoantropólogo Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, que não participou do estudo, os resultados são empolgantes, mas envolvem extrapolações complexas. Para testar sua precisão, a equipe de Carmel aplicou a técnica a Neandertais e chimpanzés, comparando as reconstruções com os fósseis reais desses hominídeos. O resultado foi animador: em 85% dos casos, a técnica previu corretamente as características anatômicas, como a forma da mandíbula.
A precisão da reconstrução ganhou mais evidências quando uma mandíbula Denisovana foi encontrada no Tibete, com datação de 160 mil anos. As características desse fóssil – um maxilar forte e robusto – combinaram com as previsões da técnica, indicando que os Denisovanos tinham mandíbulas longas e crânios largos e achatados, o que corresponde à análise de metilação.
Conforme as reconstruções genéticas avançam e novos fósseis são descobertos para validar as previsões, essa pesquisa pode revelar como muitos dos primeiros humanos realmente eram. Cientistas poderão até criar uma galeria completa de rostos antigos, compondo um retrato de família de parentes há muito desaparecidos que antes só podíamos imaginar.
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