Publicado em: 12 de agosto de 2025
Um trabalhador parauara ceifou a própria vida, nesta última semana, como consequência do vício em apostas online. Segundo a fonte, que mantinha uma relação comercial com a vítima e que fez a denúncia ao Uruá-Tapera, a fatalidade aconteceu após ele acumular uma dívida que ultrapassou R$100 mil para apostar em uma bet muito conhecida no mercado brasileiro. Em um momento de desespero, ele se evenenou.
As plataformas de apostas online movimentam cifras bilionárias e preocupam especialistas em saúde mental, direito e economia. Apenas em 2024, brasileiros apostaram cerca de R$ 20 bilhões por mês, segundo estimativas do Banco Central. Segundo estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a prática, que ganhou fôlego após a liberação das apostas de quota fixa em 2018, vem acompanhada de um crescimento expressivo na busca por tratamento para transtornos associados ao jogo.
O alerta não é exagero. Casos extremos chegam frequentemente à rede de saúde. Cada vez mais pessoas tentam (e muitas vezes, conseguem) tirar a própria vida após acumularem dívidas com apostas online. Estudos internacionais apontam que o risco de tentativa de suicídio é de duas a três vezes maior entre apostadores com relação problemática com o jogo do que na população geral.
A doenças dos jogos é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, é identificada pela CID 10-Z72.6 (mania de jogos e apostas) e ainda pela CID 10-F63.0 (jogo patológico).
Em outubro de 2024, o Uruá-Tapera noticiou que, na Indonésia, um homem de 36 anos vendeu o próprio filho, de 11 meses, por uma quantia equivalente a, aproximadamente, R$5 mil, para ter fundos para apostar online.
De acordo com reportagem d’O Estado de S. Paulo citada pela Pesquisa FAPESP, feita em 2024, mais de 2 mil casas virtuais operam no Brasil, muitas sediadas em paraísos fiscais, fora do alcance da fiscalização. Guilherme Klafke, professor de direito digital da Fundação Getulio Vargas, ressalta que o país demorou quase cinco anos para regulamentar o setor, criando um “vazio jurídico” que favoreceu a expansão sem controle.
A Lei nº 14.790, sancionada em 2023, determinou que as bets devem ter sede no Brasil, pagar tributos e destinar parte da arrecadação para saúde, educação e segurança. No entanto, experiências internacionais, como a dos Estados Unidos, onde a legalização elevou as apostas mensais de US$ 1,1 bilhão (2019) para US$ 14 bilhões (2024), mostram que a regulação não reduz necessariamente o número de jogadores nem os valores gastos.
Estudo do economista Scott Baker (Northwestern University) revela que famílias de menor renda gastam 32% mais de sua renda em apostas do que as mais ricas. No Brasil, o Instituto Locomotiva estima que 52 milhões de brasileiros já tenham feito apostas esportivas on-line, sendo quase metade deles iniciantes em 2024. Entre os entrevistados, 45% relataram prejuízos financeiros e 37% admitiram usar dinheiro destinado a necessidades básicas para apostar.
A ampla acessibilidade e o apelo crescente dos aplicativos de apostas têm levado um número cada vez maior de brasileiros a destinar quantias expressivas de dinheiro a essas plataformas. O resultado é uma onda de endividamento e impactos sociais significativos, que atinge inclusive beneficiários de programas de assistência, como o Bolsa Família, muitos dos quais chegam a comprometer integralmente o valor recebido com jogos, e que fez o Governo Federal anunciar, em setembro de 2024, um conjunto de medidas para conter a proliferação e os efeitos nocivos das bets.
O psiquiatra Hermano Tavares, da USP, que fundou o Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo), afirmou para o artigo da FAPESP que a procura por atendimento explodiu: “Se antes um paciente conseguia iniciar tratamento em dois meses, hoje a espera pode chegar a dois anos.”
Pesquisas do Amjo e de outros centros apontam que o transtorno do jogo, ou ludopatia, atua sobre os mesmos circuitos cerebrais ligados às dependências químicas, como álcool e drogas. O ciclo de aposta ativa áreas de gratificação, mas, com o tempo, o cérebro exige estímulos cada vez mais intensos para o mesmo efeito, levando a aumento de frequência e valor das apostas.
Outro risco é a “fissura”, ou seja, a necessidade incontrolável de voltar a apostar. Nos primeiros 90 dias de abstinência, o desejo de jogar é ainda mais intenso do que o de beber entre alcoólatras.
Os especialistas alertam que o público mais jovem corre risco especial. Dados de estudos anteriores mostram que, entre jovens, a evolução de uma relação casual para o transtorno do jogo pode levar menos de dois anos.
E a exposição é massiva. Apesar de o Senado Federal ter aprovado, em maio de 2025, o Projeto de Lei 2.985/2023, que impõe severas restrições à publicidade das chamadas casas de apostas esportivas, as betsainda estão estampadas nos uniformes de quase todos os grandes clubes de futebol, presentes na TV, rádios, redes sociais e apoiadas por influenciadores e disponíveis em aplicativos acessíveis 24 horas por dia, com a possibilidade de múltiplas apostas simultâneas.
Ainda não há um levantamento nacional atualizado sobre o tamanho do problema, mas sabemos que ele precisa ser combatido como uma epidemia que tem impactos avassaladores na população, principalmente entre aqueles com menores recursos financeiros. Esta é uma machete que, definitivamente, não gostaríamos de repetir.
Se tem ou conhece alguém que tenha problemas relacionados a apostas, procure atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que podem ser obtidos nos CAPS AD (Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas), nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), através do Disque Saúde 136 ou na Secretaria Municipal de Saúde da sua cidade.
O CVV – Centro de Valorização da Vida oferece atendimento, 24h e gratuito, para situações de sofrimento intenso ou risco de suicídio através telefone 188, chat ou e-mail. O Jogadores Anônimos do Brasil também oferece atendimento gratuito, através de uma linha de ajuda nacional (11-3229-1023) e do WhatsApp (21-99472‑1933). As instituições garantem anonimato, respeito e sigilo sobre tudo o que for dito.
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