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            Eis que chega julho entre nós, o sagrado e irrenunciável mês das férias. Enquanto boa parte do hemisfério sul recebe oficialmente o inverno, na Amazônia que bordeja a Linha do Equador vive-se o ápice do verão, tempo de sol, calor, praia, rio e mar. Milhares esperam ansiosos pela entrada triunfal de julho no calendário paraense, cientes da força arrebatadora do ócio, hábito sedutor que encurta as semanas nas repartições públicas, enforcando sem cerimônia as sextas-feiras; fúria que faz brotar nas empresas privadas salvos-condutos pouco ortodoxos e planos de fuga dos mais mirabolantes.

            Cancelam-se urgências, suspende-se a pressa e adia-se o inadiável. Pouco importa o que era relevante até o encerramento do primeiro semestre. O que conta é que malcuidados balneários recebam pinceladas ilusórias de civilidade, urbanismo e segurança para que imensas populações flutuantes embalem-se ao sabor do vento, gozando o dolce far niente que existe no litoral, no derradeiro das rodovias, pote farto de ouro no final do arco-íris.

            Importante mesmo no animado mês de julho é estar à beira dos rios, à margem do mar, seja nas convidativas ilhas que circundam a capital, seja na costa salgada do oeste do estado, custe o que custar, caiba ou não no orçamento. Havendo problemas e aperreios, é para eles que existe agosto.

            Tal qual fruta de época que surge faceira quando é chegada a hora, assim é o veranista, este tipo curioso e feliz cujo bom humor hercúleo resiste às mais cruéis e desafiadoras intempéries da modernidade, incapaz de aborrecer-se com preços astronômicos, engarrafamentos quilométricos ou água imprópria para o banho.  

            Parafraseando Euclides da Cunha, o veranista é antes de tudo um forte. Um ser dotado de admirável alto astral, inabalável disposição e colossal capacidade de abstração, imbuído de espírito indômito e aventureiro que o faz encarar o caos com uma tranquilidade que ladeia a soberba, ignorando solenemente o lado ruim das multidões, apto a ouvir o barulho lírico das ondas oculto sob a torrente de decibéis que aflui de potentes sons automotivos, essa atrocidade que um nobre edil de Belém quis transformar em Patrimônio Imaterial e Cultural do Município (!!!!!).

            O veranista é, enfim, um injustiçado. Merece mais atenção e melhores cuidados, afinal é dele o encargo de levar irrequietas crianças e incansáveis adolescentes para gozar a merecida pausa no ano letivo. É digno de estradas mais fiáveis e bem sinalizadas, sem tantas e torturantes lombadas. Faz jus a um trânsito mais organizado, a ambientes mais seguros onde lhe seja garantido o direito ao sossego, ao silêncio, o respeito às boas normas de convivência e a integridade da vida, da saúde e do patrimônio.

            Um dia, quem sabe, chegaremos a esse éden, esse paraíso na terra. Não se pode negar alguns avanços, especialmente em Salinas, onde a coragem dos empreendedores do setor de turismo e entretenimento e as iniciativas promissoras do Poder Público sinalizam um futuro mais venturoso, em contraponto ao revoltante abandono do Mosqueiro.

            Turismo é riqueza, emprego e renda, força motriz de uma economia sustentável e ambientalmente equilibrada, mas demanda investimento, visão estratégica, infraestrutura, criação de oportunidades, fomento e um bom ambiente de negócios. Salinas aparenta ter percebido esse potencial; Mosqueiro afunda há décadas num pântano de incompetência, negligência e incúria. 

            Talvez fosse o caso de estadualizar a ilha, se é que isso é possível. Penso que sim, afinal são comuns os processos de estadualização de rodovias, federalização de florestas e municipalização de terras federais. É coisa para especialistas e legisladores discutirem e ultimarem, tábua de salvação para um dos grandes tesouros que essa terra possui, embora o despreze. Com isso talvez houvesse mais recursos, mais fontes de financiamento e maior visibilidade.

            De todo modo, é julho; comemoremos! Há um ambiente festivo por todos os lados, inclusive na Belém de que tantos fogem nessa época. Deixada para trás a cada fim de semana, a cidade fica deliciosa, instigante, quase ideal. Muitos dos seus problemas também parecem entrar de férias, mudando-se temporariamente para as zonas litorâneas juntamente com os bravos e valorosos veranistas.

            Na bagagem que levam consigo vão também algumas das mazelas que mortificam cotidianamente a capital, tais como o trânsito caótico, o insuportável nível de ruído, as filas intermináveis e a lotação inconveniente dos bares, restaurantes, cinemas e demais equipamentos de lazer, ressuscitando uma cidade bucólica e romântica com prazo de validade curto e determinado.

           Quando julho findar, tudo volta ao anormal. Em compensação, a partir daí o tempo passa mais rápido e logo desponta no horizonte a maior de todas as armadilhas de amor que Belém utiliza para nos enfeitiçar, espetáculo inigualável que nos redime e higieniza de toda a raiva acumulada ao longo do ano. De agosto já dá para ver, com algum esforço, a ponta de outubro que começa a surgir, e em outubro Belém não tem problemas, apenas soluções e milagres a passear pelas ruas na figura sublime de uma certa Senhora da Berlinda.

           E assim vamos nós, vivendo e sobrevivendo nessa metrópole tão sofrida e tão amada, pela qual todos poderíamos fazer um pouco mais tão logo acabem as férias.

Albano Martins
Albano Henriques Martins Júnior é paraense, nascido em Belém em 1971. Advogado cursando especialização em Literatura na PUC/RS (EAD). Guarda de Nossa Senhora, foi membro da Diretoria da Festa de Nazaré entre 2014 e 2023, Coordenador do Círio no biênio 2020/2021, os anos da pandemia. Mantém no Instagram uma página recente sobre livros (ler_e_lembrar).

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