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A história sobre a guerra do Vietnã no cinema conta-nos muito do sofrimento físico e psíquico experimentado pelos soldados dos Estados Unidos, mas ainda assim não nos dá a real dimensão dos horrores ocorridos. A Guerra do Vietnã começou em 1955, no auge da guerra fria, e durou 20 anos. Era chamada de guerra por procuração porque oficialmente o embate era entre o Vietnã do Norte e o governo do Vietnã do Sul, mas de fato quem estava por trás eram as maiores potências bélicas da época: Estados Unidos e União Soviética, ambos competindo por influência global, representando a luta entre o comunismo e o capitalismo.

A origem do conflito foi pela independência do Vietnã do domínio colonial francês que, após a Conferência de Genebra em 1954, previu sua partição temporária em norte e sul e, após dois anos, a realização de eleições gerais supervisionada internacionalmente. Porém, o acordo acabou resultando no reagrupamento de duas zonas militares. Apesar da situação ser bastante complicada devido à guerra fria, com a morte de Stalin e a aceitação pelo Primeiro-Ministro francês de buscar uma saída diplomática para acabar com o conflito na Indochina, parecia que um caminho para a convivência pacífica se abriria. Os líderes chineses traçaram a estratégia de demonstrar forte interesse em uma saída diplomática, como forma de suavizar a hostilidade ocidental e receber apoio internacional. O interesse da China era, em especial, na questão geopolítica, pois faz fronteira ao sul com o Vietnã e temia uma invasão por parte dos USA. Então, junto com a União Soviética, mesmo desagradando a liderança Viet Minh, pressionavam para que o Vietnã do Norte se mostrasse disposto a negociar uma saída pacífica. Mas os acordos falharam e, diante da possibilidade do expansionismo agressivo comunista, iniciou-se o que muitos chamam de a Segunda Guerra Indochina.

O Vietnã do norte, liderado por Ho Chi Minh, apoiado e financiado pela China e União Soviética, lutava contra o Vietnã do Sul também financiado e apoiado pelos Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália, Tailandia, Nova Zelândia, Filipinas e República Khmer. O Vietnã foi palco de impensáveis horrores. Dentre os massacres mais terríveis estão o massacre de Mỹ Lai, o massacre de Huế, o massacre de Ba Chúc, o massacres cometidos pela Coreia do Sul e o massacre de Đắk Sơn.
O terror foi protagonizado e sofrido pelos dois lados. Pessoas decapitadas, queimadas vivas e torturadas de todas as formas; idosos, crianças e mulheres mortas e estupradas; casas e florestas incendiadas. Não bastasse todas essas monstruosidades os USA usaram o Agente Laranja, um desfoliante herbicida para destruir toda a vegetação, pois era no combate na floresta que os Viet Cong obtinham vantagem, e o Vietnã do Sul lançou por engano o Napalm – um gel altamente inflamável à base de gasolina gelificada – sobre as próprias tropas e seus civis. Do ataque com Napalm, uma imagem icônica que percorreu o mundo foi de Kim Phuc Phan Thi, uma criança de 9 anos que corria nua com o corpo queimando e gritava atravessada pela dor e desespero “Nóng quá, nóng quá!” (muito quente, muito quente!). Kim e outras crianças foram socorridas pela pessoa que a fotografou e levadas ao hospital de Saigon.
Por fim, em 30 de abril de 1975, Saigon (atual Ho Chi Minh) se rendeu e a guerra encerrou com a unificação do Vietnã sob o comando do governo comunista. O número total de mortos é estimado em torno de 4 milhões. Não dá para afirmar com precisão o número de vítimas, afinal os números são controversos, pois depende de quem conta. Alguns dizem que morreram 1,1 milhões de combatentes do Vietnã do Norte e 2 milhões de civis de ambos os lados. Estima-se entre 200 e 250 mil soldados sul-vietnamitas e 58 mil soldados estadunidenses morreram em combate. A lista de perdas inclui ainda outros países que lutaram pelo Vietnã do Sul.

Resta-nos, diante de tantas vidas perdidas, do grande impacto ambiental que causou destruição da floresta e redução da biodiversidade, dos inúmeros problemas de saúde que resultaram em graves doenças e deformidades congênitas dos filhos de pessoas expostas à arma química, a pergunta: quem venceu a guerra do Vietnã? Onde está a glória? Como fica um país marcado pela luta entre a própria população e que carrega as consequências físicas e psíquicas ainda hoje?

Segundo Freud, o interesse pela guerra faz parte da natureza humana. Em seu texto Por que a guerra? Ele explora as razões da predisposição humana (pulsão de morte ou Thanatos) à violência e à destruição. A guerra desnuda nossas tendências mais primitivas. Mostra-nos que uma minoria, motivada pelo poder e por interesses econômicos, utilizando seu controle sobre a imprensa, a educação e a religião – como vemos hoje, especialmente entre os terroristas no oriente médio – manipula as massas a ponto de convencê-las a matarem e a sofrerem para satisfazerem a voracidade e a ambição de uma elite que deseja se manter ou aumentar seus poderes, mesmo às custas do sofrimento de toda uma população.
A guerra desmascara a hipocrisia travestida como civilização. A licença para matar abre a porta para o que há de demasiado humano em nós, como diria Frederich Nieztche. Ela se alimenta do que há de pior em nossa natureza. Aquilo que reprimimos, mascarando com pesadas pinceladas de civilização, encontra nos conflitos a chance de se lançar no mais sombrio que habita em nós.

A vida, antes tão cara, empobrece. Valores, antes tão claros, ficam embotados. Avilta-se muito daquilo que nos era precioso. Não há vencedores na guerra. Há um vencedor. Aquele que convenceu um povo a se banhar em sangue para sustentar sua avidez. O resto, quando por fim a realidade bate à porta, é tristeza, é dor, é escuridão.

France Florenzano
France Florenzano é psicanalista, pós-graduada em Suicidologia pela Universidade de São Caetano do Sul. Whatsapp: (091)99111-5350 Instagram: psifranceflorenzano

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