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O cinema contemporâneo brasileiro, um dos mais interessantes do mundo no processo de contínua renovação da narrativa cinematográfica, convida o público para uma viagem de tons solares na recriação da estética noir presente no filme “Motel destino” (2024), em cartaz no circuito alternativo. Sob a direção de Karim Aïnouz, o filme prima pela renovação estética do filme noir com as motivações ambíguas dos protagonistas, carga erótica de alta voltagem e sotaques do nordeste brasileiro.
O filme noir, considerado um subgênero do filme policial clássico, é resultado de circunstâncias históricas como a imigração de cineastas europeus durante a Segunda Guerra Mundial para os Estados Unidos no período de 1939 a 1950.
O cinema noir é marcado por personagens enigmáticos, mulheres fatais, homicídios e a influência do expressionismo alemão, com destaques para “Pacto de sangue” (1944), de Billy Wilder; “A marca da maldade” (1958), de Orson Welles; “Sombras do mal”, (1950), de Jules Dassin, entre outros. Há também releituras como: “Chinatown” (1974), de Roman Polanski; “Gosto de sangue”, de Ethan e Joel Coen (1984), “Veludo azul” (1986), de David Lynch, etc. No Brasil, vale conferir “Estranho encontro” (1958), de Walter Hugo Khoury; e “A dama do Cine Shangai (1987), de Guilherme de Almeida Prado.
Em “Motel destino”, a qualidade fílmica desloca a ação dos cenários sombrios para enquadramentos que revelam o céu azul, os tons dourados, a bela e paradisíaca paisagem do litoral do nordeste brasileiro, em contraste com o inferno cotidiano enfrentado pelos protagonistas Heraldo (Iago Xavier), Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção).
Os anti-heróis do motel à beira da estrada transitam e lutam pela sobrevivência numa paisagem de eterno verão e trabalho ininterrupto e exaustivo de um estabelecimento com pouquíssimos funcionários. Aqui, a dança e os ritmos populares são apresentados como fetiches nos momentos de diversão a três à beira da piscina.
“Motel destino” é feito de corpos em movimento de várias camadas de desejo e morte. Heraldo e Dayana estão soltos à própria sorte num filme tenso, de ritmo ágil, reviravoltas e passagens sobrenaturais que fogem à qualquer pretensão de realismo total. Os devaneios e alusão à mitológica fuga de Adão e Eva do paraíso, provocam interpretações diversas sobre o trabalho de Karim Aïnouz, hoje um cineasta do mundo.
O cineasta cearense ficou conhecido com o longa-metragem “Madame Satã” (2002), veículo perfeito para a performance de Lázaro Ramos na pele de João Francisco dos Santos, transformista brasileiro da vida noturna e marginal da Lapa carioca. Depois, foram realizados: “O céu de Suely” (2006), “O abismo prateado” (2011); “Praia do futuro” (2014); “A vida invisível” (2019), “Marinheiro das montanhas” (2021) e “Firebrand” (2023). Há também o filme de estrada “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (2009), em parceria com Marcelo Gomes.
“Motel Destino” comprova a versatilidade temática e de gênero do cinema de Karim Aïnouz, que transita pela ficção, documentário e produções nacionais e internacionais.
Do mesmo modo, vale constatar o estado de graça e entrega do ator Fábio Assunção, que já foi considerado um intérprete menor, limitado ao estereótipo de galã de telenovelas e poucas aparições no cinema. Com o passar dos anos e décadas, nota-se a evolução do domínio dramático e cômico, que resulta na composição do personagem Elias.
Vá e veja “Motel destino” antes que saia de cartaz.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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