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O Marajó chora a passagem para Encantado do compositor Raimundo Miranda Amaral, conhecido como Mestre Dikinho, aos 83 anos, na madrugada desta quarta-feira, dia 17 de julho, em Soure. Um dos maiores representantes da cultura marajoara e um dos mais antigos mestres de carimbó do Pará, ele deixa sete filhos e um legado profundo na música e nas tradições. Compositor e intérprete de carimbó e outros ritmos amazônicos, com canções que retratam o cotidiano dos marajoaras, Mestre Dikinho participou de diversos conjuntos: contribuiu com grupo parafolclórico Eco Marajoara, foi diretor musical do Grupo de Tradição Marajoara Cruzeirinho e foi responsável por colocar nas ruas de Soure o boi bumbá Sete Estrelas e de participar de outros bois bumbás, como o Rosa Branca, Pai do Campo e Pingo de Ouro. Era um artista extremamente versátil, atuando também na comédia, na confecção de adereços e na criação de cavalinhos.

Teve uma vida profundamente enraizada nas tradições marajoaras, desde a infância nos campos do Marajó e depois como pescador nos igarapés. Foi um conhecedor profundo das artes nativas e grande autoridade cultural. Era diretor musical do conjunto de carimbó Tambores do Pacoval, grupo dedicado a divulgar o trabalho do mestre por todo o Brasil. Além de músico, Mestre Dikinho era artesão, confeccionando instrumentos percussivos como tambores, maracas e xeque xeque, e pintor e escultor. Suas obras estão expostas em seu barracão.

Acompanhei a luta por sobrevivência deste grande gênio da cultura através da minha grande amiga Monique de Bouteville, que dedicou o seu doutoramento para estudar práticas artísticas tradicionais do Marajó, como o carimbó. Sua pesquisa aponta que as obras de artistas de carimbó e contadores de histórias como Mestre Dikinho apoiam as populações locais e criam marcos que contribuem para a construção da identidade dos marajoaras, ajudando a combater a invisibilidade das populações da Amazônia, resultante de fortes interesses econômicos e da ausência de políticas públicas eficazes na região. A falta de reconhecimento, por parte das autoridades, desses territórios – tanto imaginários quanto geográficos e pertencentes aos amazônicos/marajoaras – intensifica os mecanismos de submissão impostos à população local. Ela questiona as possíveis condições para a continuidade dessas práticas na ilha do Marajó, como atos estéticos e sociais de resistência a uma opressão multifacetada com objetivos simbólicos, institucionais, econômicos e políticos e a tese (que pode ser lida aqui) busca respostas sobre a possibilidade de uma “salvaguarda viva” desses patrimônios culturais intangíveis.

Monique promovia, de tempos em tempos, diversas “vaquinhas” e eventos para ajudar no sustento básico de Mestre Dikinho, que precisou continuar pescando para sobreviver até idade bastante avançada. Apesar de sabermos o quanto foi amado e apreciado no Marajó, é muito triste ver partir mais um dos grandes mestres da cultura do Pará sem ter desfrutado, em vida, de todo o reconhecimento – inclusive financeiro – que merecia. Seu legado, entretanto, é imortal.

Salve, Mestre Dikinho, guardião da cultura marajoara! Os tambores da Amazônia batem em sua honra!

Foto: Mestre Cesar do Regatão / Reprodução Instagram

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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