Publicado em: 15 de junho de 2025
Indubitavelmente Mário de Andrade, seguiu o que o movimento Modernista estava a propor, redescobrir os Brasis contidos no Brasil. O professor e escritor Paulo Nunes infere que Andrade foi o “intelectual modernista que mais exercitou o conhecimento do ‘outro’, a cultura alheia: diferente do que ele conhecia em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais”.
A viagem de Mário de Andrade pela Amazônia em 1927, especialmente no Pará, representa um ponto axial na historiografia da Literatura brasileira, e, é descrita em uma coletânea em formato de diário. Esses textos resultaram na produção do livro, “O turista Aprendiz”. Na coletânea estão inseridos os relatos de suas observações em cidades das regiões Norte e Nordeste do país, além da expedição nomeada como ‘Viagem pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia e por Marajó até dizer chega’.
Sua viagem a Amazônia influenciou profundamente a criação de livro marco do Modernismo brasileiro, Macunaíma, publicado em 1928. A obra é uma rapsódia que amalgama mitos, lendas e expressões culturais de diversas regiões do Brasil, com destaque para as tradições amazônicas. A gênese de Macunaíma está enraizada nas tradições indígenas da Amazônia. Mário inspirou-se no mito do herói Makunaimî, coletado pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg entre os povos do norte amazônico. A narrativa do romance inicia-se com o nascimento de Macunaíma na selva amazônica, o que pode-se entender como simbolismo a origem mítica do Brasil. Em sua obra, buscou retratar a diversidade cultural brasileira. Macunaíma é descrito como um “herói sem caráter”, refletindo a multiplicidade e as contradições da identidade nacional. O Subtítulo provoca dissonâncias e embates com os escritores e intelectuais locais. A linguagem do romance mistura dialetos regionais, neologismos e expressões populares, aproximando-se da oralidade e desafiando as normas linguísticas tradicionais. Apesar de sua intenção de exaltar a diversidade da cultura brasileira, Macunaíma tem sido objeto de críticas sob uma perspectiva decolonial. Estudiosos argumentam que a obra, embora inspirada em mitos indígenas, apropria-se dessas narrativas sem um compromisso profundo com as cosmovisões dos povos originários. Para alguns estudiosos a obra ignora as origens indígenas e não dialoga com as literaturas indígenas contemporâneas, perpetuando uma exclusão epistêmica.
O fato é que a visita de Mário de Andrade à Amazônia foi fundamental para a criação de Macunaíma. No entanto, é essencial reconhecer as limitações dessa representação e considerar as críticas decoloniais que apontam para a necessidade de um diálogo mais profundo e denso com as culturas indígenas. A análise crítica da obra deve, portanto, equilibrar o reconhecimento de sua importância literária com uma reflexão sobre as dinâmicas de poder e representação cultural.
Durante sua estadia na Amazônia, e especificamente em Belém, Mário de Andrade não estabeleceu contato com escritores locais. Essa falta de interação propiciou um olhar negativo sobre o Modernista. Para alguns, puramente arrogância, para outros, não queria ser influenciado por olhares locais.
O clímax de sua viagem por nosso lado está no o amor incondicional à capital paraense. Em carta dirigida ao escritor Manuel Bandeira relata: “Belém me entusiasma cada vez mais. O mercado hoje esteve fantástico de tão acolhedor. Só aquela sensação do mungunzá!…”, “(…) Belém foi feita pra mim e caibo nela que nem mão dentro de luva”. Além dessa declaração de amor, expõe seus sentimentos novamente em outra missiva endereçada a Manuel Bandeira em 1927: “(…) me conquistar mesmo a ponto de ficar doendo no desejo, só Belém me conquistou assim. Meu único ideal de agora em diante é passar uns meses morando no Grande Hotel de Belém. O direito de sentar naquela terrace em frente das mangueiras tapando o teatro da Paz, sentar sem mais nada, chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí. Você que conhece mundo, conhece coisa melhor do que isso, Manu (…). Belém eu desejo com dor, desejo como se deseja sexualmente, palavra. Não tenho medo de parecer anormal pra você, por isso que conto esta confissão esquisita, mas verdadeira que faço de vida sexual e vida em Belém. Quero Belém como se quer um amor. É inconcebível o amor que Belém despertou em mim”.
Por fim, é relevante mencionar Abguar Bastos, escritor paraense contemporâneo de Mário de Andrade. Embora não haja registros diretos de um diálogo entre os dois, ambos compartilhavam o interesse pela construção de uma identidade nacional e brasílica, que incorporasse as diversas manifestações culturais do Brasil. Abguar Bastos, atuando como escritor, jornalista e político, contribuiu para o fortalecimento da literatura amazônica e para a promoção das vozes do Norte no cenário literário nacional. Assim, a relação entre Mário de Andrade e Abguar Bastos pode ser vista como uma convergência de esforços na valorização da diversidade cultural brasileira, cada um a seu modo e em seus respectivos contextos.
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