Publicado em: 10 de outubro de 2025
A política venezuelana María Corina Machado foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz de 2025, reconhecimento internacional à sua trajetória de resistência pacífica contra o autoritarismo e à defesa intransigente dos direitos democráticos do povo venezuelano. O anúncio foi feito nesta sexta-feira, em Oslo, pelo presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Jorgen Watne Frydnes, que a descreveu como “uma mulher que mantém acesa a chama da democracia no meio de uma escuridão crescente”.
O Comitê justificou a escolha destacando “o trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. O comunicado ressalta que “María Corina Machado cumpre os três critérios estabelecidos no testamento de Alfred Nobel para a seleção do laureado com o Prêmio da Paz. Ela uniu a oposição do seu país. Nunca vacilou na resistência à militarização da sociedade venezuelana. Tem sido firme no seu apoio a uma transição pacífica para a democracia”.
O prêmio, entregue anualmente em Oslo, é o único dos Nobel concedido fora da Suécia. A cerimônia de entrega ocorrerá em 10 de dezembro, data que marca o aniversário da morte de Alfred Nobel. Além da medalha e do diploma, o reconhecimento inclui um montante de 11 milhões de coroas suecas, equivalente a cerca de 1 milhão de euros. Ainda não se sabe se a laureada, que afirma estar na Venezuela mas tem paradeiro incerto, comparecerá ao evento.
Nascida em 7 de outubro de 1967, em Caracas, María Corina Machado Parisca vem de uma família tradicional do setor siderúrgico venezuelano. Formada em Engenharia Industrial pela Universidade Católica Andrés Bello e especializada em Finanças, a líder de oposição construiu uma carreira marcada por enfrentamentos diretos com o regime chavista. Foi deputada da Assembleia Nacional entre 2011 e 2014 e fundadora da ONG Súmate, criada em 2002 para promover eleições livres e fortalecer a cultura democrática na Venezuela.
Descrita pelo Comitê como “uma campeã corajosa e empenhada da paz”, Machado tem denunciado há mais de duas décadas a corrupção, a repressão e as violações de direitos humanos sob os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. “A Sra. Machado tem sido uma figura fundamental e unificadora numa oposição política que antes estava profundamente dividida – uma oposição que encontrou um terreno comum na exigência de eleições livres e um governo representativo”, escreveu o Comitê do Nobel, ao destacar o papel de liderança exercido por ela na articulação das forças opositoras.
Apesar de sua popularidade, Machado foi impedida de disputar as eleições presidenciais de 2024 por decisão dos tribunais venezuelanos e, desde então, vive na clandestinidade. “No último ano, a Sra. Machado foi forçada a viver na clandestinidade. Apesar das graves ameaças contra a sua vida, ela permaneceu no país, uma escolha que inspirou milhões de pessoas”, assinala o comunicado oficial.
Para seus apoiadores, representa a “resistência incorruptível” diante da ditadura; seus críticos, por outro lado, a veem como uma figura ligada à elite econômica e acusam-na de defender posições radicais. Ela adota uma postura política fortemente marcada pelo conservadorismo moral e ideológico, que se reflete tanto em seu discurso quanto em sua simbologia pública. Defensora de valores ditos tradicionais, ela é crítica das pautas progressistas, como políticas de gênero e direitos reprodutivos.
A líder venezuelana associa com frequência suas aparições e mensagens políticas a referências religiosas, utilizando terços e imagens cristãs como instrumentos de identificação com o eleitorado mais devoto e nacionalista. Esse uso simbólico da fé como elemento de comunicação política tem como objetivo claro cimentar sua imagem de mulher de convicções firmes e de luta espiritual contra a opressão, mas também desperta críticas de setores que veem na estratégia uma tentativa de sacralizar o embate político e de unir, sob um mesmo discurso, a resistência democrática e o conservadorismo religioso que permeia parte da sociedade venezuelana.
O anúncio do Nobel da Paz ocorre em um contexto mundial de instabilidade, com o maior número de conflitos armados envolvendo Estados desde 1946, segundo dados da Universidade de Uppsala, na Suécia. Neste ano, 338 indicações foram submetidas ao Comitê, incluindo 244 indivíduos e 94 organizações.
A distinção de Machado, apesar do seu perfil alinhado com a crescente e perigosa extrema-direita mundial (ela, inclusive, dedicou a vitória a Trump em uma postagem no X), foi amplamente interpretada como um gesto político em defesa da democracia num momento em que regimes autoritários se fortalecem em diferentes partes do planeta. Para Frydnes, “é mais importante do que nunca defender este terreno comum”, referindo-se ao compromisso com eleições livres e instituições representativas.
A escolha de María Corina Machado também serviu de contraponto a especulações em torno do presidente estadunidense Donald Trump, que vinha buscando reconhecimento internacional por sua atuação diplomática recente, especialmente após o anúncio de um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza.
Questionado sobre o tema, o presidente do Comitê Nobel foi categórico ao afirmar que a decisão já havia sido tomada antes do anúncio do acordo. “Na longa história do Prêmio Nobel da Paz, o comitê já testemunhou campanhas e tensão mediática. Baseamos a nossa decisão apenas no trabalho e na vontade de Alfred Nobel”, declarou Frydnes.
O Comitê reiterou que o prêmio privilegia trabalhos de paz duradouros e transformadores, e não ações pontuais de curto prazo. Trump, que retornou à Casa Branca depois de condenações judiciais, não foi incluído entre os favoritos.
Imagem: Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach









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