Eu era moleque, a televisão ainda transmitia em preto e branco e o israelense naturalizado britânico Uri Geller já aprontava das suas, encantando audiências mundo afora com a sua pretensa paranormalidade. Dizendo-se capaz de mover e manipular objetos sem tocá-los, usando apenas a força da mente (telecinese), Geller participava de programas de auditório entortando talheres, chaves e outros objetos de metal, exibindo métodos de adivinhação (rabdomancia) e técnicas de telepatia.
Não sei dizer se o homem era realmente dotado de poderes extrasensoriais, mas lembro que seus truques me causaram problemas bastante sensoriais, inclusive umas boas surras por conta dos prejuízos causados aos faqueiros lá de casa.
Nas festas infantis e nos aniversários dos primos, amigos e colegas da escola, nos quedávamos atônitos ante os dons sobrenaturais de Chamon, aquele mágico de terno preto e indefectível bigode de cuja cartola saíam coelhos e pombos, e em cujas mãos desapareciam anéis e moedas que ressurgiam, inexplicavelmente, por trás das nossas orelhas.
De igual modo nos fascinavam os feitos notáveis do Grande Harry Houdini, ilusionista húngaro especializado em escapologia, a arte de escapar de situações adversas, libertando-se rapidamente de cordas, correntes, cadeados e até das camisas de força utilizadas para conter os mais violentos e agitados psicopatas. Além disso, perante plateias incrédulas, Houdini fazia sumir objetos e animais de grandes proporções, inclusive paquidermes que pesavam toneladas.
Anos mais tarde, já adulto, vi o show business tornar mundialmente famosos ilusionistas talentosíssimos, como é o caso dos americanos David Copperfield e David Blaine, o primeiro autor de truques admiráveis, entre os quais o desaparecimento da Estátua da Liberdade, a levitação sobre o Grand Canyon, no Colorado, e a travessia das paredes da Muralha da China; o segundo detentor de descomunal capacidade de resistência física e mental, mantendo-se incólume, são e salvo mesmo depois de ser enterrado vivo por sete dias, queimado em fogueiras e eletrocultado em eventos transmitidos para milhões de telespectadores.
Ainda na seara da magia e da ilusão, quem não lembra de Val Valentino, também americano e mais conhecido como Mister M, o intrépido mascarado que mostrou seus dotes meses a fio, nas noites de domingo, no consagrado Fantástico, programa de variedades da Rede Globo de Televisão.
Mister M exibia truques de mágica e em seguida, para desespero de seus colegas de profissão, revelava como eram feitos, desnudando a engenharia e as artimanhas que levavam o público a acreditar no impossível. Embora tenha despertado a ira de milhares de ilusionistas, seu maior ardil talvez tenha sido desviar-se das insinuações insistentes e maldosas do inigualável Cid Moreira. Certa feita, numa entrevista, o experiente locutor de notícias e versículos bíblicos, dono de uma voz que tanto podia soar doce quanto cavernosa, questionou o artista sem a menor cerimônia, para delírio de fãs, admiradores e curiosos em geral: – Mister M, você é espada…?”
Muitos foram, enfim, os mágicos famosos que conheci, assisti e admirei ao longo da vida. Suas práticas sempre me despertaram curiosidade. Eu via seus truques e espantava-me com os resultados, tanto mais quando não conseguia perceber a mecânica da coisa, quais os segredos, em que momento minha atenção se desviara do principal para tornar-se vítima da fantasia e do devaneio, exatamente o trunfo pretendido pelos ilusionistas.
Muitos desses truques foram revelados, vários deles consegui compreender. Há um, contudo, que remanesce impenetrável, coberto pelo manto do mais profundo mistério, questão essencialmente insolúvel e inexplicável, tanto pela magia quanto pela ciência.
Nem os mais abalizados observadores, nem os mais qualificados profissionais do encanto e do deslumbramento e nem os mais estudiosos e experimentados baluartes da prestidigitação conseguem esclarecer. Por mais que se tente, por mais que se observe, por mais que se acompanhe com critério e concentração absoluta, ninguém jamais logrou responder esta charada, que remanesce com uma das incógnitas supremas e fundamentais da humanidade, irresolúvel até mesmo para as mentes mais privilegiadas e para os mais potentes computadores, todos inaptos para elucidar o que já se tornou mítico e místico.
Cuida-se, caros amigos e estimados leitores, do enigma do camarão no bafo vendido na Rodovia PA-391, a conhecida Estrada do Mosqueiro.
Por mais que estejam visíveis aos olhos camarões graúdos, portentosos e apetitosos, por mais que se insista com os vendedores para que escolham apenas os que estão por cima do monte, por mais que sejam praticamente catados os espécimes mais avantajados, e por mais que o processo seja executado sob rigorosa fiscalização dos compradores, o desfecho é sempre o mesmo: ao chegar em casa e derramar o conteúdo do saco plástico sobre pratos e travessas, com os envolvidos já a salivar, em avançado estado de ansiedade e desejo (não raro com a cerveja gelada, a pimenta e a farinha já a postos), o que se vê é um autêntico esparramar de aviús, um espalhamento de microcrustáceos, artrópodes invertebrados de dimensões diminutas e frustrantes, que findam por ser devorados em meio a lamentos e manifestações de decepção e descrença.
Tomados por um ceticismo atroz, não alcançamos ou entendemos como tudo aquilo pôde acontecer. Nós estávamos lá, fomos espertos, somos compradores e degustadores tarimbados, escolhemos a barraca certa, o freguês correto, acompanhamos o processo e testemunhamos cada passo. De nada adiantou, os camarões robustos metamorfosearam-se na proporção inversa da nossa vontade e o que nos resta é aceitar e esperar a próxima oportunidade.
Hamlet é que estava certo… Há mesmo mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia, e olhem que, ao que se sabe, Hamlet jamais comprou camarão no bafo ao cruzar a Ponte do Mosqueiro…
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