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O Brasil é o país que mais paga juros de dívida no mundo. Com dívida bruta de 76,2% do Produto Interno Bruto (PIB) e juros básicos em 15%, o Brasil é o país que mais paga encargos no mundo, 7,78% segundo o Tesouro Nacional . Paga mais juros que países com dívidas públicas maiores como Japão (252,36% do PIB), Argentina (154,54%), Itália (137,28%), Estados Unidos (122,15%) e França (110,64%). E isto há décadas, independente do governo e seu partido. A pista é que esta é uma condição geoeconômica imposta a países emergentes. Neste ranking o Brasil é seguido por México e Índia, que possuem, respectivamente, dívidas brutas de 53,09% e 82,75% do PIB; e pagamento de juros equivalentes a 5,83% e 5,27% do PIB.
Estes dados batem com o cálculo apresentado no relatório anual de 2024 do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) que foi feito com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), do JPMorgan e do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Legítimos representantes dos interesses do grande capital transnacional, que imprime tal condição como ordem econômica mundial.
Ou seja, a questão da dívida pública tem mais a ver com a soberania geopolítica e econômica do Brasil no mundo do que com a administração do governo da vez. Tem mais a ver com a força que os agentes econômicos transnacionais, majoritariamente financeiros, tem para intervir em nossa estrutura econômica e política. Dois exemplos são muito eloquentes: 1) a isenção de IR sobre lucros e dividendos aprovado no governo de Fernando Henrique Cardoso(PSDB) de 1994 e 2) o controle dos bancos sobre o Banco Central,  com a aprovação da autonomia do BC em relação à Sociedade, pelo governo Bolsonaro(PL) em 2021, impondo ao Brasil o maior juro real do planeta desde então.
No entanto, na dinâmica da disputa política interna, os representantes da hegemonia financeira no Congresso Nacional adotaram a Dívida Pública para imprimir uma opinião pública distorcida, enviesada, como se o problema fosse deste governo em função de gastar mal, apesar dos números positivos, mesmo nos parâmetros do capital. Daí propondo cortes em políticas sociais como educação, saúde etc. Qualquer semelhança com o que tem feito Trump não é mera coincidência.
Em reação, para sair do canto do ringue onde se via acuado desde o primeiro dia, o governo Lula retoma a cartilha da Inversão de Prioridades, que lhe deu sustentação no primeiro governo com muito sucesso, e propõe o aumento do IOF para grandes transações financeiras e o aumento da taxação sobre superricos (renda superior a 1,2 mi/ano) isentando 20 milhões de correntistas que ganham até 5 mil reais mês.
As reações no Congresso expuseram seus compromissos com o grande capital e a opinião pública percebeu e dá sinais de discordância. Diante do que, a grande mídia, a serviço de seus anunciantes, acusa que se trata da uma divisão da nação, “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, tentando formar torcidas por apelo emocional sem contribuir para racionalizar o debate assim como fizeram desde 2013, contra o governo Dilma, até seu afastamento, hoje sabidamente ilegal.
Qual o centro da questão? O estímulo eleitoral da contradição Pobres x Ricos ou o projeto global de Desigualdade Socioeconômica?
A situação econômica, nos parâmetros do mercado, é pra empresário nenhum ficar triste. Dólar caiu 12,08% no primeiro semestre de 2025, o que aquece o mercado interno. Ibovespa subiu. Desemprego está em 6,2%, caindo – o papo de que a Bolsa Família tira gente do mercado de trabalho é furado. Não por acaso, o PIB é crescente, foi o 10º maior do mundo em 2024 e projetam mais de 3% de crescimento em 2025. Risco Brasil caiu de 214 para 152 pontos atraindo mais investimentos externos. Inflação de maio para junho caiu 0,49%, está sob controle não justificando o aumento de juros. Ah, mas e a Dívida pública? Bem, a questão é onde cortar…
Só um parêntesis antes de seguir. Não existem só os parâmetros do mercado. O Brasil continua na incômoda posição de ser uma das maiores potências produtivas do planeta, a 10ª em 2024, e quando se calcula Desenvolvimento Humano, despencamos para a 84ª qualidade de vida do mundo, uma vergonha, ou seja, o que produzimos não vira riqueza para a maior parte da nação. Mas seguindo…
Onde cortar? Na educação, Saúde, Previdência…que acirram a concentração de renda, riqueza e poder? ou nas Isenções para grandes empresas, hoje 500 bi por ano? Privilégios processuais como “elisão fiscal” entre outros? Supersalários? Emendas impositivas secretas, hoje 50 bi ano? Taxa Selic que gera um pagamento de juros da dívida em 1 trilhão por ano? Ou, aumentar o IOF(Imposto sobre Operações Financeiras) das grandes transações, taxa extra aos superricos para compensar a isenção do pagamento de IR a Lucro e Dividendos, e aprovar a escala 6×1?
Com a reforma proposta pelo atual governo federal, a alíquota sobre a renda bruta dos mais ricos aumentaria de forma escalonada, chegando a 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por ano. Hoje, no Brasil, uma pessoa de altíssima renda paga menos imposto de renda do que um trabalhador comum. A mesma reforma propõe a isenção de quem ganha até 5 mil por mês e escalona a cobrança entre 5 a 7 mil. Tornando a estrutura tributária um pouco menos injusta.
Quais países não taxam superricos? Brasil e Estônia são os únicos países do mundo que não taxam lucros e dividendos. Quem está errado? O Brasil ou o resto do mundo?
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela a guerra surda que vivemos. O rendimento médio dos brasileiros no quarto trimestre de 2024, é o maior já registrado no país: R$ 3.270, mas os que ganhavam menos foram menos beneficiados. A tendência da concentração é muito forte e estrutural porque foi criado um abismo a partir do acesso à educação, um desenvolvimento cognitivo desigual da nação. Determinando o futuro de milhões de jovens.
A desigualdade no acesso à educação adequada pelos jovens é uma decisão política. E rebate tanto na economia quanto as políticas públicas de apoio dirigidas a determinados campos privados da economia, como o grande agro negócio. O atual Plano Safra de R$ 605,2 bilhões atinge um marco recorde. Desse total, R$ 516,2 bilhões serão destinados à agricultura empresarial, responsável pelas mega produções para exportação, e R$ 89 bilhões para a agricultura familiar, responsável por 70% do que comemos. O montante destinado ao setor mais do que dobrou, mas a participação da Agricultura Familiar teve queda desde 2023 (MAPA/Forbesagro).
Em tempos de COP 30 no Brasil, em Belém, merece registro que este plano safra recorde incentiva setores que se destacam por desmatar e recorrer a trabalho escravo. Na recente préCop em Bonn(AL), 60 cientistas entregaram o Relatório dos Indicadores das Mudanças Climáticas Globais onde afirmam que a manutenção das tecnologias da indústria e da agricultura, ao lado do nível de consumo de combustíveis fósseis como o petróleo, levará a ultrapassar o limite do aquecimento global de 1,5ºC como previsto no Acordo de Paris(2015).
Este quadro ambiental é grave e exige uma firme e imediata transição tecnológica e energética, para alcançarmos uma redução no consumo de 48% já em 2030 e 18% até 2040. O que demanda um investimento de 20 trilhões de dólares. O GTA(Grupo de Trabalho Amazônico), que faz parte da Cúpula dos Povos, avalia que o Brasil já domina tecnologias para avançar essa transição em condições muito melhores que os demais países. Mas estamos fazendo os investimentos que devemos?
Investimento, nesta ordem, é decisão política. Então sim, há conflito. Eleitoral ou de Ordem Econômica? Os dois. E quem explica vem do século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, “Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”. A questão central do Modelo Político-Econômico da Sociedade é a dignidade.
A apropriação do espaço político público pelas forças econômicas particulares está presente em todo o mundo e vibra pulsante no Brasil como regra e cultura. A “elite mameluca”, de que nos fala Darcy Ribeiro na sua obra obrigatória O Povo Brasileiro, continua a se oferecer como capataz dos interesses alheios desde a colonização. Só assim é possível entender o fato de que a produção com alto valor agregado, ciência, conhecimento, experiência, mercado conquistado, tem muito menos incentivo que a produção de commodities exportadas brutas e baratas. Segundo a Embraer, a sua exportação de aviões em 2024 correspondeu a 50% do que faturou a pecuária bovina desenvolvida em 160 milhões de hectares com os conflitos e custos que conhecemos.
Mas é preciso estar atento ao que está chegando por dentro do novo letramento universal, a “Inteligência Artificial”. Como alerta o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis “não se trata de uma inteligência, mas de uma ferramenta que pode condicionar o raciocínio de gerações à lógica binária das TI” o que rebaixa a racionalidade em sua potência criativa e, se somada a desigualdade cognitiva gerada no acesso à educação adequada, para além do acesso à escola, pode gerar um novo tipo de condicionamento social às desigualdades de direitos.
O filósofo italiano Franco Berardi, apresenta o conceito de “neurocapitalismo”  identificando a exploração da cognição e da sensibilidade humana para gerar valor. Articula como o trabalho cognitivo e emocional se tornaram centrais na economia, enquanto as condições de trabalho se deterioram para muitos, levando a uma crise generalizada de exaustão e sofrimento psíquico. 
Explica Berardi que o trabalho cognitivo, antes associado a empregos de alta qualificação, agora se estende a uma ampla gama de atividades online, muitas vezes em condições precárias e mal remuneradas. Que a constante conectividade digital e a pressão para produzir e consumir levam à sobrecarga cognitiva, fadiga e sofrimento psíquico, como apontado em suas obras “Asfixia” e “Extremo”.  E que vê que as tecnologias digitais e o capital financeiro, muitas vezes intangíveis e globais, dificultam a consciência e a resistência dos trabalhadores, levando a uma perda de autonomia e controle sobre suas próprias vidas. O que não quer dizer que ninguém as controle.

João Tupinambá Arroyo
Prof João Tupinambá Arroyo, mestre em Economia, doutor em Desenvolvimento e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão da Unama. Membro efetivo do IHGP.

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