Publicado em: 5 de agosto de 2025
Lideranças de povos tradicionais de cinco estados da Amazônia Legal entregaram ao enviado especial da Presidência da República para a COP30, Joaquim Belo, uma carta com propostas e denúncias sobre os impactos da crise climática nos territórios. O documento, intitulado “Carta de Demandas: Vozes do Território da Amazônia para a COP30”, será levado como contribuição popular às metas brasileiras na Conferência da ONU sobre o Clima, que ocorre em novembro deste ano, em Belém.
A entrega foi coordenada pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), responsável por articular 18 rodas de conversa realizadas nos estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso e Roraima. Participaram do processo 964 pessoas, sendo 72,5% mulheres lideranças comunitárias. A iniciativa envolveu dioceses, associações locais, movimentos sociais, pastorais e organizações defensoras dos direitos humanos e ambientais, com apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Segundo a secretária executiva da REPAM-Brasil, Irmã Irene Lopes, a proposta da carta nasceu da necessidade de democratizar o debate climático e ampliar a participação dos povos amazônidas nas decisões internacionais. “Essa agenda costuma ficar restrita a salas de reunião e a grupos privilegiados. Com as rodas de conversa, tiramos essa discussão desses espaços e levamos para quem mais sente os efeitos da crise”, afirmou.
O processo teve como ponto de partida a cartilha “ABC das COPs”, que explica de forma didática o que são as conferências do clima da ONU e qual a importância da COP30 para o Brasil e o mundo. A escuta foi realizada em formato de diálogo horizontal, com participação ativa de crianças, jovens, anciãos, donas de casa, extrativistas, pescadoras e agricultores familiares.
Um dos encontros mais marcantes ocorreu no Quilombo Catucá, na zona rural da Diocese de Bacabal (MA), onde lideranças quilombolas relataram os efeitos do calor extremo, a escassez de água e os impactos nas hortas comunitárias. “Foi emocionante ver como essas mulheres resistem todos os dias às mudanças do clima”, relatou Arlete Gomes, coordenadora de projetos da REPAM. “Elas plantam, colhem, cuidam da terra mesmo com o calor castigando as hortas. É desse chão, desses corpos-territórios, que surgem as propostas mais potentes para a COP30.”
A carta alerta que os efeitos das mudanças climáticas já são realidade nas comunidades amazônicas, com registros crescentes de doenças respiratórias provocadas por queimadas, escassez de alimentos, avanço de enfermidades infecciosas e contaminação dos rios. As lideranças também denunciam o impacto de obras de infraestrutura, como a pavimentação de rodovias federais (BR-319 e BR-163), que ameaçam territórios e agravam o desmatamento, muitas vezes sem qualquer consulta prévia às comunidades afetadas.
Entre os principais pontos reivindicados pelas lideranças estão a criação de planos emergenciais para enfrentar secas, queimadas e fumaça; a moratória de grandes obras de infraestrutura que não respeitem a consulta prévia e os direitos territoriais; a proteção efetiva para defensoras e defensores ambientais; a garantia de acesso universal à água potável e ar puro como direitos fundamentais; o incentivo à agroecologia como estratégia de mitigação da crise e fortalecimento da autonomia alimentar; e a participação efetiva dos povos da Amazônia na formulação e monitoramento das políticas climáticas nacionais e internacionais.
A escolha de Joaquim Belo, líder extrativista com longa trajetória de defesa da floresta, para receber a carta, foi simbólica. Atual enviado especial da Presidência da República para a COP30, ele também é secretário de Formação e Comunicação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), entidade que presidiu por três mandatos. Ao receber o documento, destacou o papel dos povos da floresta na preservação ambiental:
“Foi nesse chão que aprendi o que é ser solidário — com a natureza, com o povo, com a vida. A carta expressa isso com força: o valor da floresta, da biodiversidade e de quem cuida. Essa floresta cuida de todos nós. Esse rio cuida de todos nós. E esse ambiente, hoje, está sendo maltratado.”
A Carta de Demandas: Vozes do Território da Amazônia para a COP30 será incorporada à agenda do governo federal na preparação para a conferência e representa uma tentativa concreta de inserir as vozes dos povos amazônicos nos espaços internacionais de negociação climática.
Foto de capa: Divulgação/ REPAM-Brasil
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