Chico Buarque em “Janelas Abertas” assim escreveu: “Sim, eu poderia abrir as portas que dão pra dentro. Percorrer, correndo, os corredores em silêncio. Erguer as paredes aparentes do edifício. Penetrar no labirinto, o labirinto de labirintos, dentro do apartamento…
… Sim, eu poderia procurar por dentro a casa. Cruzar uma por uma as setes portas, as setes moradas. Na sala receber o beijo frio em minha boca. Beijo de uma deusa morta, Deus morto, fêmea de língua gelada… como nada…
Sim, eu poderia em cada quarto erguer a mobília. Em cada um matar um membro da família. Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia. O que aconteceria de qualquer jeito. “
Essa letra, cheia de metáforas, reflete uma dualidade introspectiva, entre o exterior e o interior humano, entre a vida e a morte, percorrendo campos íntimos que nossos mistérios pessoais revelam. Labirintos da complexidade humana, entre becos e ruelas com difíceis saídas, observados além das janelas comuns, não as colocadas às frentes dos imóveis, que servem para contemplar o horizonte, mas as que se voltam para dentro, com possibilidade de encararmos o mundo significativo da psiquê.
Com efeito, Fernando Pessoa escreve: “Nesta vida, em que sou meu sono, não sou meu dono, quem sou é quem me ignoro e vive através dessa névoa que sou eu, todas as vidas que eu outrora tive numa só vida. Mar sou; baixo marulho ao alto rujo, mas minha cor vem do alto do meu céu, e só e encontro quando de mim fujo.”
Em qual momento nossas fugas se transformam em chegadas, na compreensão de cada universo que habita nosso interior? Qual seria o instante da composição de nossos conteúdos expandidos, oferecendo certeza da incerteza que aqui fora predomina?
Em minha frente dois livros de Fernando Pessoa e Franz Kafka, coincidentemente juntos, me obrigam a diversas leituras, do que dizem e do que não dizem, mas do que pode ser lido, através dos labirintos. Ambos fundam um universo literário de sentidos morfológicos, onde a realidade se desnuda, entre sujeito, ficção, incerteza e criação, em planos sublimes, desde a mais sutil origem e enigmáticos resultados. Os labirintos de Kafka e Pessoa, se vislumbram num imenso horizonte avistado das janelas de suas aldeias, onde passeiam rebanhos de metáforas e almas que se saciam na fonte protegidas por carneiros e corvos da imensa constelação planetária. Onde estarão os nossos labirintos? Quais os caminhos para neles se chegar ou sair? o que poderemos encontrar e desvendar na certeza de se descobrir onde eles terminam? Nossas janelas enxergam para dentro e para fora desta inabitada casa que habitamos. Só precisamos enxergar e compreender o que nossas janelas podem revelar.
Comentários