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Em 12 de fevereiro de 1984, morreu Julio Cortázar, aos 69 anos, depois de ter legado algumas das criações mais emblemáticas da literatura latino-americana, como “O jogo da amarelinha“, “Bestiário” e “Histórias de cronópios e de famas“, além de reflexões sobre arte, pintura, fotografia, música e textos políticos, como os que escreveu sobre o Chile e os desaparecimentos durante a ditadura militar na Argentina. Foi e ainda é um dos maiores mitos da literatura moderna.

Para marcar a data, um trecho de ‘O Jogo da Amarelinha‘, labirinto literário no qual Cortázar discute os questionamentos do homem diante de seu destino, conflitos, dúvidas e paixões:

Pela manhã, obstinados ainda na sonolência que a campainha horripilante do despertador não conseguia trocar pela afiada vigília, contavam-se fielmente os sonhos da noite. Cabeça contra cabeça, acariciando-se, confundindo as pernas e as mãos, esforçavam-se por traduzir em palavras do mundo exterior tudo o que haviam vivido durante as horas de treva. (…)

Tinham dormido com as cabeças encostadas e aí, nessa premência física, na coincidência quase total das atitudes, das posições, da respiração, do mesmo quarto, do mesmo travesseiro, da mesma escuridão, do mesmo tique-taque, dos mesmos estímulos da rua e da cidade, das mesmas radiações magnéticas, da mesma marca de café, da mesma conjunção estelar, da mesma noite para os dois, aí estreitamente abraçados, tinham sonhado sonhos diferentes, tinham vivido aventuras diferentes, um sorriso enquanto a outra fugia aterrorizada, um voltava a prestar um exame de álgebra, enquanto a outra chegara a uma cidade de pedras brancas. (…)

Durante muito tempo, esperou um milagre, que o sonho que Talita iria lhe contar pela manhã fosse também aquele que tinha sonhado. Esperou por isso, incitou-o, provocou-o, apelando para todas as analogias possíveis, procurando semelhanças que, bruscamente, o levassem a um reconhecimento. Apenas uma vez, sem que Talita desse a menor importância ao fato, sonharam sonhos análogos. (…)

Traveler continuou confiando cada vez menos. Os sonhos voltavam, cada um por seu lado. As cabeças dormiam encostadas e, em cada uma delas, levantava-se o pano sobre um cenário diferente. Traveler pensou ironicamente que pareciam os cinemas contíguos da calle Lavalle e perdeu de uma vez por todas as suas esperanças. Não acreditava absolutamente que acontecesse o que desejava, e sabia que, sem fé, jamais ocorreria. Sabia que, sem fé, nada do que deveria acontecer acontece; e, com fé, também quase nunca.’

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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