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“Resgatando a dignidade através da leitura” é um projeto de autoria da defensora pública Anna Izabel Santos que institui a leitura como forma de remição (é com “ç” mesmo, significa resgate, libertação, quitação; remissão é perdão, referência) da pena, e que apresentado formalmente pela Defensoria Pública ao TJE-PA foi imediatamente adotado, através de portaria assinada no último dia 16, pelos juízes Cláudio Rendeiro e João Augusto de Oliveira, da 1ª e 2ª Varas de Execuções Penais. O funcionamento é simples: a cada obra literária lida, são quatro dias a menos na pena, desde que obedecido o prazo mínimo de 30 dias para a leitura. Os critérios de avaliação são duas formas de produção escrita, a de relatório de leitura e a resenha, sob a responsabilidade de uma comissão mista, composta por, no mínimo, três profissionais: dois professores da Secretaria de Estado de Educação (um de língua portuguesa e outro da área de ciências humanas) e um técnico da divisão e educação da Superintendência do Sistema Penal (Susipe), da própria unidade prisional.
Estão aptos a pleitear a leitura para fins de remição os presos que, além do perfil comportamental adequado ao trabalho intelectual ofertado, tenham as competências de leitura e escrita necessárias para a execução das atividades. É voluntária a participação do preso, mediante inscrição no setor de educação da respectiva casa penal. Diante da inscrição, é oferecida uma obra literária, clássica, científica, técnica ou filosófica para cada um. 

Será feita primeiro uma experiência no Presídio Metropolitano de Belém, PEM I, onde uma equipe da Susipe, Seduc e Universidade Federal do Pará selecionará livros e comprovará a leitura. O diferencial é que a mesma comissão vai manter o contato com esses presos, em uma espécie de oficina, de dois ou três dias na semana, quando eles serão estimulados ao interesse pela leitura, compreensão dos textos, como colocar isso no papel e desenvolver a redação. “Será despertado o encantamento pela leitura”, explica o juiz Cláudio Rendeiro. Acho que vai contribuir não só para a diminuição da pena do preso condenado, mas também para o processo de integração dele à sociedade. Acredito que a leitura vai trazer outras possibilidades enquanto pessoa mesmo”, afirma o magistrado, que desenvolve também um belo trabalho educativo através de seu personagem Epaminondas Gustavo.  

Tanto a leitura quanto a produção escrita serão feitas fora das celas, com a orientação de professores da Seduc e uso de metodologia própria. O preso participante, porém, poderá optar por fazer parte da leitura em sua cela. No primeiro mês de implantação do projeto, em 2015, a estimativa é de que sejam formadas de três a quatro turmas com 20 internos cada. É preciso que o preso saiba saber ler e escrever e seja maior de 18 anos. Os detentos que têm o ensino médio completo, ao final, produzirão uma resenha. Aqueles que tiverem o ensino médio incompleto, apenas uma redação. 

A remição de pena através da leitura foi implantada em 2012 em presídios federais por resolução do Departamento Penitenciário Nacional, em conjunto com a Justiça Federal. Em seguida, o Conselho Nacional de Justiça baixou resolução orientando os tribunais de todos os Estados brasileiros a implementar o projeto. A medida já vigora no Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Tocantins e Paraíba. Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Piauí estão em fase de estudos. No Pará, a defensora pública Anna Isabel Santos idealizou um modelo, de inclusão social, a fim de que “a leitura não seja apenas um alvará de soltura, mas sim transforme o presídio, que hoje é conhecido como a ‘universidade do crime’, numa universidade de leitores, como um espaço propício da leitura”, depois de observar o resultado da experiência no Paraná, pioneiro no País. “No acompanhamento com os presos de lá, percebemos uma diminuição na reincidência de 20%, ou seja, essa média de egressos não retornou para o cárcere, pelo contrário, muitos terminaram os estudos, se qualificaram profissionalmente ou entraram numa faculdade”, relata a defensora. 

Luan Cardoso, 26 anos, é interno do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará, onde cumpre pena pelos crimes de tráfico de drogas e assalto. Lá, redescobriu a paixão pela leitura e, a partir daí, virou monitor da biblioteca do centro. “Quando vim para cá, procurei um emprego e encontrei a biblioteca. É o melhor emprego dentro de uma casa penal, visto que aqui tenho mais liberdade com os livros. Todos os dias eu pego uma base de pelo menos uns dois a três capítulos para ler. Antes eu só lia a Bíblia, e agora minha cabeça mudou muito. Leio literatura, história, geografia, português. Quero sair e estudar, fazer um cursinho, mudar mesmo de vida”, promete. 

Desde 2011, o governo do Estado implantou no Pará o projeto Arca da Leitura, em que uma estante móvel com 150 livros fica sob a responsabilidade de um interno, que também é o monitor. Ele passa por treinamento e aprende noções de organização de acervo, registro, catalogação e atendimento. Para ter acesso às obras, o detento tem que se cadastrar com os monitores. Depois, pode emprestar livros por sete dias úteis.
Hoje, 18 das 42 unidades prisionais do Pará ofertam 17.816 livros aos internos. A comunidade carcerária é de doze mil detentos; destes, 3.752 estão incluídos em atividades educacionais (arte, música, dança, coral, ensino profissionalizante, programa de alfabetização e educação de jovens e adultos). 
Mas 9.486 apenados estão ociosos; logo, a remição pela leitura é uma alternativa perante a ausência de vagas suficientes para a demanda de presos que não desenvolvem qualquer atividade na prisão.
Atualmente, 57,19% da população carcerária é de presos com ensino fundamental incompleto e 11,25% com ensino médio incompleto, e só 5,63% são analfabetos. Quanto à faixa etária, 37,71% têm entre 18 e 24 anos e 26,94% entre 25 e 29 anos, ou seja, 64,65% da população carcerária é composta por jovens em plena fase produtiva da vida, que deveriam estar no mercado de trabalho ou concluindo os estudos. A ampliação do número de vagas para o estudo através da leitura poderá transformar essa realidade e muitos custodiados poderiam começar a construir um novo futuro.

É dever do Estado garantir o acesso ao estudo no ambiente carcerário, bem como direito do preso. Ademais, o CNJ expediu a Recomendação nº 44, visando a implementação da remição pela leitura, recomendando aos Tribunais a valoração e a consideração de atividades de caráter complementar, assim entendidas as que ampliam as possibilidades de educação nas prisões, tais como as de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional e de saúde, entre outras, conquanto integradas ao projeto político-pedagógico da unidade ou do sistema prisional local e oferecidas por instituição devidamente autorizada ou conveniada com o poder público para esse fim.

Quem quiser doar livros para o projeto “Resgatando a dignidade através da leitura” pode ligar para o número (91) 3223-1360. 
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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